Filosofia do Desporto
e Filosofia no Desporto
Nada é estranho à filosofia, porque nada é estranho
à pessoa enquanto ser que pensa. Assim, se nada é estranho à
filosofia, o desporto (atividade humana lúdico-agonística,
institucionalizada e com regras universais) não o é, também,
necessariamente.
Aristóteles, no quarto livro da Metafísica, define a filosofia como o estudo do ente enquanto ente, ou seja, o ser, o que persiste além dos fenómenos e da simples aparência. Fazer filosofia, portanto, é pensar o ser, ou seja, aquilo que permanece para além do fluxo acidental dos fenómenos. Folheio um livrinho da minha autoria, com 26 anos de idade, A pergunta filosófica e o desporto, para respigar o seguinte: “Na Filosofia não obramos em benefício do conhecimento, limitando-nos ao saber fenomenal, mas partimos dele, para construir conteúdos radicalmente significativos e fundamentadores (…). Fundamentar filosoficamente não é tanto perguntar pelo que o Homem tem, ou pelo que o Homem faz, mas pelo que o Homem é.
Ora, só especulando se sabe o que o Homem é, pois que se trata de uma sabedoria que se alcança, para além do fenoménico, do episódico, do imediato. Viver humanamente equivale à actualização das potencialidades do ser. Tudo muda, excepto a verdade que explica a mudança. Ora, é a verdade que explica a mudança o que a Filosofia, numa operosidade incansável, procura”. E atrevi-me até, com algum inconformismo, a uma definição de Filosofia: é o ensaio sempre renovado de querer conhecer, especulando, o ser e o sentido do Homem e da Vida, com radicalidade e universalidade e circunstancialidade” (p. 13). E, páginas adiante: “Filosofia é um permanente questionar de tudo, invocando a sua afinidade com tudo. Daí, a sua não-cessabilidade. Segundo se diz, terá sido Pitágoras o primeiro a distinguir entre “sophia” (sabedoria) e “filosofia” (amigo da sabedoria). Já então pareceu azado sublinhar que a filosofia é menos saber constituído que intérmino questionamento do real”.
Aristóteles, no quarto livro da Metafísica, define a filosofia como o estudo do ente enquanto ente, ou seja, o ser, o que persiste além dos fenómenos e da simples aparência. Fazer filosofia, portanto, é pensar o ser, ou seja, aquilo que permanece para além do fluxo acidental dos fenómenos. Folheio um livrinho da minha autoria, com 26 anos de idade, A pergunta filosófica e o desporto, para respigar o seguinte: “Na Filosofia não obramos em benefício do conhecimento, limitando-nos ao saber fenomenal, mas partimos dele, para construir conteúdos radicalmente significativos e fundamentadores (…). Fundamentar filosoficamente não é tanto perguntar pelo que o Homem tem, ou pelo que o Homem faz, mas pelo que o Homem é.
Ora, só especulando se sabe o que o Homem é, pois que se trata de uma sabedoria que se alcança, para além do fenoménico, do episódico, do imediato. Viver humanamente equivale à actualização das potencialidades do ser. Tudo muda, excepto a verdade que explica a mudança. Ora, é a verdade que explica a mudança o que a Filosofia, numa operosidade incansável, procura”. E atrevi-me até, com algum inconformismo, a uma definição de Filosofia: é o ensaio sempre renovado de querer conhecer, especulando, o ser e o sentido do Homem e da Vida, com radicalidade e universalidade e circunstancialidade” (p. 13). E, páginas adiante: “Filosofia é um permanente questionar de tudo, invocando a sua afinidade com tudo. Daí, a sua não-cessabilidade. Segundo se diz, terá sido Pitágoras o primeiro a distinguir entre “sophia” (sabedoria) e “filosofia” (amigo da sabedoria). Já então pareceu azado sublinhar que a filosofia é menos saber constituído que intérmino questionamento do real”.
Do que precede se
infere que a Filosofia do Desporto se estuda, quando se invocam os
pressupostos filosóficos que deverão presidir à prática desportiva e que
há Filosofia no Desporto, quando se aprofundam algumas interrogações
(ocasionais, conjunturais) principalmente sobre o ser humano enquanto
ator e criador do desporto e visando, quase sempre, uma ampla e radical
análise da condição humana. A fundamentação filosófica é necessária na
prática desportiva, porque a motricidade humana não é unicamente
psicofisiologia do indivíduo, mas expressão concentrada de um itinerário
onde está o homem todo e todos os homens.
O desporto pratica-se
em função de uma vivência da complexidade humana, digamos mesmo: de uma
consciência social. Por isso, pensá-lo supõe ciência e filosofia, dado
que, no pensar, se encontra a realidade histórica onde radica. Sempre
que se estuda ou investiga o desporto, há que ter em conta um horizonte
de fundamentação, muito para além do que propugna o positivismo que
proclama a neutralidade do desporto, liberto portanto das
“contaminações” do contexto social e político. Não há desporto (como não
há conhecimento) neutro, já que todo ele, esteja onde estiver, deverá
contextualizar-se histórica, social, politicamente… para ser
verdadeiramente entendido!
Acompanho Ortega y Gasset, quando
assinala que a vida humana é a realidade primordial a definir, pois que
nela se encontram enraizados os problemas essenciais que diante do ser
humano se levantam. É, assim, a possibilidade do “conhece-te a ti mesmo”
que se alcança mais como sabedoria do que saber. A vida nunca é
computável ou medível e, sem especulação filosófica, nem dela podemos
falar. Com efeito, o desporto não se resume a uma Atividade “Física”,
constitui-se verdadeiramente como uma Atividade Humana. Faço minhas as
palavras sibilinas de Heraclito de Éfeso, respondendo a um grupo de
presumidos curiosos: “aqui também moram os deuses”. E por isso o
desporto, mais do que princípio, é fundamentalmente resultado – resultado do que o ser humano é, como indivíduo e como pessoa.
Em Le jeu des possibles,
editado pela Fayard, François Jacob criticava “a ideologia marxista,
segundo a qual o indivíduo se encontra inteiramente moldado pela sua
classe social e pela educação (…). Assim desaparece (comentava ele) toda
a diversidade, toda a diferença de ordem hereditária, nas aptidões e
nos talentos do indivíduo. Só contam as diferenças sociais e as
diferenças na educação. A biologia e os seus constrangimentos detêm-se
diante da sociedade. Esta forma extrema de analisar o indivíduo é
simplesmente insustentável” (pp. 120/121). Com efeito, não pode ainda
determinar-se, com rigor, as relações entre a hereditariedade biológica e
a sociedade e a cultura. Todos somos biologia mas nem por isso tudo em
nós se decide, única e exclusivamente, por fatores biológicos.
Se
bem me lembro, Vygotski, notável psicólogo soviético dos anos 20,
defendia uma conceção “histórico-cultural do psiquismo”, dando igual
lugar de relevo, na análise do ser humano, tanto à biologia como à
sociedade. Neste ponto, acompanho à letra o psicólogo soviético. De
facto, todos somos também historicamente produzidos. Sem a generalização
da educação para todos, ao longo da vida, como será possível erradicar a
pobreza absoluta, como promover eficazmente os valores democráticos,
como construir sociedades do conhecimento? Sem um contrato natural que
faça do Homem, não o dono e senhor da natureza, mas o seu depositário,
como poderemos acabar com a exploração criminosa dos recursos naturais?
Sem a redefinição das exigências éticas, subjacentes ao próprio ideal
dos “direitos do homem”, como lançar as bases de uma cidadania
planetária e até de um desporto novo? E… Deus existe, como fundamento
último de tudo o que se faz? Uma questão ainda: é inteligente ser
religioso? Aqui, a inteligência não está na crença em Deus (ou no
Absoluto) mas no modo como se crê.
Não esqueço o juízo de Sartre:
“Se um anjo, um dia, vier falar comigo, com uma mensagem divina, como
saberei eu que ele é um anjo?”. De facto, são muitas as dúvidas sobre o
fenómeno religioso e as nossas relações com Deus. No entanto, é para
mim evidente que existe uma ordem implícita no universo (desde a
partícula mais elementar até às galáxias) oculta na mutabilidade
incessante do real. E que esta ordem me aproxima de Deus! Relembro
Teilhard de Chardin: “Em cada partícula, em cada átomo, em cada
molécula, em cada célula de matéria, vivem escondidas e atuam,
incógnitas, a omnisciência do eterno e a omnipotência do infinito”.
Quando tiveram a bondade de convidar-me para Provedor da Ética no Desporto, logo perguntei quem era o diretor do PNED (Plano Nacional de Ética no Desporto) e qual o ramo do saber em que se especializara. Responderam-me que era o Dr. José Lima, um teólogo.
Dias depois, no âmbito da operosidade que o anima, à frente do PNED,
conheci então no José Lima, para além de um “homo fraternus” (expressão
tão do agrado do socrático e sagacíssimo Prof. José Eduardo Franco,
também meu amigo fraterno) um obstinado e vígil lutador por um desporto
com ética pois que, sem ética, não há desporto. Pensar não é memorizar
aquilo que os outros pensam e, quando se fala em ética desportiva,
dificilmente se descobre, em Portugal, um mínimo de saber e de
imaginação até.
O saber só existe como pluralidade de saberes:
não surpreende assim a presença, em lugar de direção, de um teólogo, no
PNED. Com o José Lima, temos a certeza que, no nosso país, há Filosofia
no Desporto e pode criar-se um espaço, sem os clássicos atritos da vida
universitária, onde se pense a possibilidade de nascer em Portugal uma
Filosofia do Desporto, como saber universitário.
Professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana e Provedor para a Ética no Desporto
IN "A BOLA"
30/09/16
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