Sanções a Portugal:
Cavaco Silva ajuda Marcelo
As sanções e a rédea curta de Bruxelas permitirão a Marcelo Rebelo de Sousa, quando julgar ser o momento oportuno, iniciar um novo ciclo político, afastando o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista da maioria parlamentar de suporte ao Governo, deslocando o eixo da vida político-partidária para o centro.
1.Confirma-se: o Ecofin (o Conselho
de Ministros das Finanças dos Estados-Membros) decidiu aplicar sanções a
Portugal e a Espanha por violação das regras orçamentais previstas no
Tratado Orçamental, devidamente aprovado pelas autoridades nacionais dos
Estados que se encontram a ele vinculados. António Costa já se veio
opor publicamente à decisão do Conselho, utilizando uma argumentação
simultaneamente política e jurídica.
2. No entanto, parece que até o Primeiro-Ministro português já se
conformou com a aplicação das sanções: restará agora tentar, por via
político-diplomática, que seja uma sanção pífia (a tal sanção-zero) ou
que a aplicação das sanções esteja dependente da condição suspensiva de
incumprimento das metas orçamentais pelo actual Governo de coligação
parlamentar entre o extremo-PS e a extrema-esquerda. Esta resignação de
António Costa a Bruxelas (lembram-se dos tempos em que o candidato da
vitória poucochinha prometia “bater o pé” à Europa?) significa que o
líder do PS português não quer enfrentar os seus camaradas do Partido
Socialista europeu, que votaram maioritariamente a favor das sanções
contra Portugal e Espanha. Afinal, o socialismo tem pátria e tem
fronteiras!
3.Já o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa há muito que se conformou
com a aplicação de sanções contra Portugal. Note-se que Marcelo nunca
afrontou, nem mesmo criticou ainda que subtilmente, a aplicação de
sanções por incumprimento das metas orçamentais contra o nosso país.
Marcelo apenas realçou que as instituições da União Europeia deveriam
ter em conta – apesar do incumprimento de Portugal –o esforço do
anterior Governo e a dedicação do Governo actual em cumprir as regras
dos Tratados e as orientações de Bruxelas. Se Portugal não conseguiu
mais – é porque seria impossível fazer melhor.
3.1. Os sacrifícios dos portugueses seriam eloquentes para demonstrar
o nosso compromisso com as regras do Tratado orçamental. Num segundo
momento, Marcelo Rebelo de Sousa passou a dar como certa a aplicação de
sanções, pese embora desvalorizando-as: assim, a sanção seria apenas uma
sanção simbólica ou uma sanção-zero. Um “puxão de orelhas” público e
mais formal – nada mais.
4. Ontem, no Conselho de Estado, o anterior Presidente da República,
Aníbal Cavaco Silva, defendeu, em termos abstractos, que os Estados
quando concordam com determinadas regras e a elas se vinculam – têm que
as cumprir, sob pena de o incumprimento gerar consequências patrimoniais
negativas. Para os Estados e para os cidadãos: o cumprimento das regras
(segundo Cavaco Silva, num regresso ao seu registo professoral e de
reencontro com a sua vocação académica) defende os Estados da
insolvência e os portugueses da miséria. Aparentemente, Aníbal Cavaco
Silva quebrou a unanimidade nacional contra as sanções – e criticara
implicitamente o seu sucessor, o Presidente da República em exercício,
Marcelo Rebelo de Sousa.
5. Puro engano analítico: as considerações de Aníbal Cavaco Silva,
ontem no Conselho de Estado, bem como a aplicação de sanções contra
Portugal pelas instituições europeias, favorecem a posição política de
Marcelo Rebelo de Sousa. Porquê? Fácil. Por duas razões essenciais:
A aplicação de sanções e o crescente escrutínio de Bruxelas face às
medidas orçamentais aplicadas pelo Estado português debilitam António
Costa e tornam ainda mais precário o acordo das esquerdas. A geringonça
torna-se ainda mais geringonça: a partir de agora, António Costa, dia
após dia, terá um dilema permanente de optar entre agradar a Bruxelas ou
agradar à extrema-esquerda anti-europeísta. Perante a instabilidade da
maioria parlamentar e o consequente equilíbrio político do Governo, qual
é o único órgão de soberania estável, com autoridade e protagonismo
pessoal?
A Presidência da República. Marcelo Rebelo de Sousa surge,
pois, como o centro da vida política portuguesa: o semipresidencialismo
português reforça, nesta conjuntura, a sua vertente presidencialista.
Pela primeira vez, o sistema de governo nacional identifica-se com um
semipresidencialismo de pendor presidencial, que até se tende a reforçar
em prejuízo da centralidade do Governo e até da Assembleia da
República;
As sanções e a rédea curta de Bruxelas permitirão a Marcelo Rebelo de
Sousa, quando julgar ser o momento oportuno, iniciar um novo ciclo
político, afastando o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista da maioria
parlamentar de suporte ao Governo, deslocando o eixo da vida
político-partidária para o centro. Aqui, todos sabemos que o desejo de
Marcelo Rebelo de Sousa passa pela constituição do “Bloco Central”, com o
PS no Governo e o PSD a apoiar o executivo em matérias centrais para a
democracia portuguesa;
No ponto anterior, Marcelo Rebelo de Sousa acaba por “repescar” a teoria
defendida durante quatro anos pelo então Presidente Aníbal Cavaco
Silva. Por outro lado, a voz dissonante de Cavaco Silva no Conselho de
Estado é muito útil a Marcelo: como todos sabemos, Marcelo aprecia muito
aparentar uma ideia de distanciamento crítico, de independência e
imparcialidade. Marcelo Rebelo de Sousa nunca escolhe um lado numa
discussão: fica sempre a pairar ou então lateraliza o jogo, par evitar
alienar o apoio de um dos lados. Marcelo Rebelo de Sousa nunca mata –
antes, mói até (se e quando) matar. É o que Marcelo fará com a
geringonça – vai moer, moer, moer até que PCP e BE (e já agora, Passos
Coelho) saiam.
Depois, sempre dirá que o seu Conselho de Estado
pronunciou-se em termos críticos, representando o pluralismo da
sociedade portuguesa, quanto à capacidade da actual composição
parlamentar responder com êxito aos desafios do futuro de Portugal –
reiterando a história dos cogumelos. Marcelo é o cogumelo maior que
segura o cogumelo menor (o Governo); e o cogumelo maior tem de estar
sempre ao centro, nunca se comprometendo com nada, nem ninguém. Cavaco
Silva fez, pois, um favor a Marcelo Rebelo de Sousa.
IN "SOL"
23/06/16
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