ESTA SEMANA NO
"EXPRESSO"
"EXPRESSO"
O que é que o Avillez tem?
O mais estrelado chefe português finaliza um novo e grande projeto, um bairro só de comida sua. É mais um passo no império
O sucesso é, por vezes, um conceito difícil de definir. Tem a ver com
popularidade, bons resultados, boas vendas. José Avillez conjuga um
pouco disso tudo. Ele está em todo o lado: na televisão, na rádio, nas
revistas... Há dois anos que tem duas estrelas Michelin — é o único
chefe português com tal distinção no currículo. Não para de criar
projetos. De tal forma que os cinco restaurantes que tem no Chiado (tem
mais um no Porto e o take-away em Cascais) são chamados de império
gastronómico.
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Quase se pode dizer que possui uma espécie de toque
de Midas. A metáfora para este sucesso vê-se num dia normal no Largo de
São Carlos, no Chiado. Um jovem chefe alto e moreno aperta o avental,
coloca um pano ao ombro e fala sobre menus com outro chefe ainda mais
jovem. Um pasteleiro atravessa o largo, em passo apressado, com um
tabuleiro vazio nas mãos.
Na rua que sobe, vê-se um empregado de cozinha
a caminhar de bloco na mão. Todos têm na jaleca (uma espécie de bata
branca que os chefes vestem na cozinha) o nome de um dos restaurantes do
Grupo José Avillez. Sem nunca se afastar do Belcanto, o restaurante
onde detém as duas estrelas e onde faz a sua cozinha de autor, o chefe
vai abrindo restaurantes paralelos.
Em breve haverá novo espaço, que na
realidade será muito mais do que isso. José Avillez está a cerca de um
mês de abrir o seu bairro, a sua interpretação de um típico bairro
lisboeta, recheado de detalhes. Um sítio de comida. Uma feira de
diversões gastronómica. Mas também, e sobretudo, o seu maior
investimento. Sobe assim mais um degrau no que toca à ideia de sucesso
que lhe atribuem.
No país onde os chefes, mesmo os mais premiados e conhecidos, lutam
ano a ano para manter o break even, onde sobrevivem melhor os
restaurantes integrados em hotéis (dos 14 com estrela Michelin, sete
fazem parte de um hotel), José Avillez dá-se ao luxo de arriscar. E vai
acrescentando peças ao império que gira à sua volta. À volta da sua
imagem e do seu nome. Ele é o próprio modelo de negócio.
Mas o
que faz ele diferente dos outros? O que é que distingue um chefe? Ou
melhor, qual é o fator diferenciador que o eleva do patamar de bom chefe
de cozinha a bem sucedido dono de uma cadeia sem nunca deixar de fazer a
dispendiosa cozinha de autor? Qual a diferença entre um chefe de
cozinha de autor que se inspira para criar e um chefe que é todo ele o
centro de um negócio? José Avillez é, na gastronomia, o equivalente a um
atleta de alta competição. Está sempre pronto para competir, neste caso
para cozinhar.
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Dorme pouco, trabalha todos os dias e controla os
mínimos detalhes — dos menus de grupo que serão servidos no Páteo do
Bairro do Avillez aos aventais que farão parte do merchandising, às
luzes que vão ficar por cima dos balcões do seu novo espaço. Como se
fosse um polvo cujos tentáculos tocam em todas as pontas do negócio,
apesar de aí ter os respetivos braços-direitos, os diretores de área,
alguns deles que vêm desde o início da sua carreira.
Há algum
tempo que deixou de ser apenas um chefe, é um gestor e o CEO. O Grupo
José Avillez tem uma solidez que permite abrir novos restaurantes e
continuar a desenvolver a cozinha de autor no Belcanto, de onde vêm os
prémios e a fama. E é o sucesso aspiracional que o Belcanto cria que
torna possível surgirem os espaços paralelos. É um ciclo interligado. Um
homem, um modelo de negócio.
Um caminho que, visto de fora, se fez
rapidamente e sem sobressaltos. Nove anos bastaram para impor a sua
marca. Para juntar ao negócio de take-away, o primeiro, mais de uma
mão-cheia de restaurantes diferentes. Um percurso que começou em
Cascais, a vila onde nasceu, a fazer eventos e se instalou,
definitivamente, no Chiado, a zona mais nobre e cara de Lisboa.
O começo com as tramezzinis
Este sucesso não está apenas nas
receitas que saem das mãos do chefe. Ou nas ideias criativas que brotam
da sua cabeça. Para o compreender é precisar recuar até 2007. A
história do império de José Avillez começa por causa de sanduíches. Foi
num encontro de negócios para um projeto de consultadoria entre Ana Arié
e o chefe que se começou a desenhar a parceria que viria a desembocar
no tal império. “Eu queria montar uma empresa de sanduíches, de
tramezzinis, e tive uma reunião com o Zé para ele fazer consultadoria.
Depois da reunião percebemos que podíamos fazer algo mais e nasceu aí a
ideia de fazermos uma sociedade para uma empresa de catering e
take-away”, conta Ana Arié, hoje a diretora comercial. Ana pertence a
uma destacada família judia que detém a Perfumes & Companhia.
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O
Grupo Arié SGPS esteve concentrado até 2015 na representação e
distribuição grossista de marcas estrangeiras ligadas à cosmética,
perfumaria e moda. Formado por Rudolph Arié em 1954, comprou no ano
passado a Barreiros Faria e as 146 lojas a nível nacional, ficando com
mil trabalhadores e vendas de 130 milhões de euros. Tornou-se a maior
empresa de retalho da área. Um negócio que envolveu a Autoridade da
Concorrência e que obrigou a nove meses de trabalho de consultadoria
jurídica, entregue ao escritório de Vieira de Almeida. Ana tinha levado o
pai, Charles Arié, à tal reunião e depois percebeu que o tio também
teria de ser envolvido. A vida do chefe cruzava-se com os investidores
perfeitos, que lhe iriam dão asas para voar. “Da parte da administração,
de que eu não faço parte, o que posso dizer é que ainda são piores que o
Zé [risos]. O Zé diz e a resposta é logo ‘vamos embora para a frente’.
Há um grande grau de confiança”, conta Ana.
O casamento entre os dois parceiros acontece depois de José Avillez
sair do restaurante do Hotel Albatroz, em Cascais, quando tinha um
serviço de catering para eventos. Faltava menos de meio ano para
estagiar no El Bulli, o famoso restaurante espanhol de Ferran Adrià, o
responsável pelo estatuto que os chefes de cozinha adquiriram. E um ano
para entrar no restaurante Tavares. “Fazíamos muitos eventos. E fazíamos
tudo, tratávamos não só do catering mas também dos empregados.
Estávamos em Cascais, então não nos poderíamos dar ao luxo de nos
esquecermos de alguma coisa. Fizemos a bienal da Joana Vasconcelos, o
jantar de apresentação do jornal ‘Sol’, o casamento da irmã do Zé”, diz
Paulo Salvador, hoje o diretor operacional do grupo, braço-direito de
Avillez desde 2005. O homem que fazia tudo o que não era cozinha. Paulo
tratava das propostas, contratava os funcionários, levava a comida no
carro até ao local do evento. É a pessoa que há mais tempo trabalha com
José Avillez. Hoje são quase duzentos funcionários.
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A empresa
cresceu muito desde aí, mas Paulo continua a ser das pessoas mais
próximas. Recentemente, foi com o chefe até Paris para servir o catering
dos 50 anos da Cartier. Uma das exceções que José Avillez abre no que
diz respeito a eventos. “Fazemos pontualmente, só para alguns clientes
mais antigos que já trabalham connosco há muito tempo”, explica Ana
Arié.
Quando Ana se juntou a Paulo e José não se sonhava com
estrelas Michelin. “Nunca foi um objetivo”, explica Mónica Bessone,
colega de curso e a pessoa que Avillez foi buscar para tratar da
comunicação. Foi o terceiro braço-direito a juntar-se ao grupo. Os três,
num escritório diferente daquele que inauguraram há pouco tempo, deram
com Avillez os primeiros passos da empresa. Por esta altura, José
Avillez somava sucessos à frente do Tavares, cujo pico foi a estrela
Michelin, que o restaurante entretanto perdeu, em 2010. Foi também com
eles que tomou a decisão de sair. “Não foi uma decisão fácil.
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O Tavares
era um restaurante conhecido por triturar chefes. Mas estava na altura, o
chefe queria muito ter os seus próprios projetos. Criar a sua própria
marca. É uma pessoa muito criativa”, defende Mónica. É a essa vontade
que vai buscar a justificação para tantos projetos, tantas ideias,
tantas horas de trabalho.
Tomada a decisão, construída a equipa
base e com o apoio dos investidores, o Grupo José Avillez foi crescendo
com dois projetos de cada vez. Primeiro foi o Cantinho do Avillez, em
2011, enquanto se tratava do Belcanto, que abriu em 2012; a seguir, em
2013, a Pizzaria Lisboa e o Café Lisboa; no ano seguinte, o Mini Bar e o
Cantinho do Avillez, no Porto. Pelo caminho vieram as estrelas — a
primeira no ano de abertura e a segunda dois anos depois — e outros
prémios, como um lugar no prestigiado “The World’s 50 Best Restaurants
List”. Agora, é a renovação do Belcanto, cuja restruturação fez com que a
sala ficasse com menos lugares, e o Bairro do Avillez. “Ele conta-nos a
ideia, vê o que nós achamos, mas ele já tomou a decisão. Ele sabe
quando deve fazer”, frisa Mónica.
Um bairro no centro da cidade
O Bairro do Avillez
impressiona, primeiro, pelo tamanho. Só quando se entra e se começa a
dar uma volta pelo piso inferior é que dá para ver que não se trata de
um restaurante ou de mais um mercado. Sem se dar por isso, por detrás
daquela porta, na concorrida Rua Nova da Trindade, faz-se uma transição
da caótica Lisboa para a bairrista e típica capital. E é aí que
impressiona pelo detalhe. Entra-se e há uma taberna, com comida típica
portuguesa e petiscos, uma mercearia, onde estarão à venda produtos,
depois passa-se para uma zona comum, o páteo, onde ficarão mesas e um
balcão em forma de L de onde sairão diferentes tipos de comida.
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Azulejos pintados à mão na taberna, peças de cerâmica de Cátia
Pessoa, a ceramista de sempre e que costuma criar loiça para o chefe,
muitas vezes a partir de desenhos do próprio Avillez, um envelope
escrito à mão pendurado numa caixa de correio, uma janela portuguesa com
um xaile e retratos antigos, um monóculo direcionado para um livro
dentro de uma parede e focado na palavra “indulgência”, que significa
satisfazer-se, entregar-se. “Uma ideia destas não nasce de um dia para o
outro. Tinha-a há algum tempo, há muito tempo que namorava este sítio.
Era um sonho que não sabia se podia realizar”, confessa o chefe depois
de ter subido ao escadote para verificar a luz por detrás da bancada da
cozinha. Do lado de dentro andam já equipas a fazer testes. Tal como o
resto, também aqui tudo foi pensado ao pormenor, de modo a criar
estações de cozinha que consigam tornar o trabalho mais eficaz. Do lado
de fora, a arquiteta Ana Anahory — filha do arquiteto José Anahory, a
quem o espaço, que antigamente era um ateliê, pertenceu — supervisiona
os últimos detalhes. A decoradora testa as várias opções para uma janela
no segundo andar: até agora ficará com uma bicicleta antiga.
“Fiz
um bairro de Lisboa. A ideia é que as pessoas entrem aqui e se sintam
num bairro e que depois, quando saírem, voltem para a agitação do dia a
dia.” E o objetivo é ir muito além da cozinha, apesar de nos sentirmos
num parque de diversões gastronómico ao entrar. “Apetecia-me fazer uma
coisa muito inesperada e diferente do que há em Portugal. Era essa a
minha única certeza.” A taberna é uma zona de comida mais rápida e
descontraída, e no centro, no páteo, o foco vai para o produto, com
destaque para o peixe e o marisco e com um serviço de mesa para uma
experiência mais demorada. Entre as 12h e as 24h será possível fazer uma
refeição.
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Vestido de forma casual e com os sapatos de cozinha
nos pés (uma espécie de botins de plástico parecidos com os que os
médicos costumam usar), José Avillez sobe e desce escadotes,
certifica-se da ordem em que as peças de cerâmica serão colocadas, fala
com os empregados de cozinha para ouvir as impressões deles. Diz que
hoje em dia delega muito nos outros, fala sempre na equipa, mas a
verdade é que controla todos os pormenores. Garante que não foi num
abrir e fechar de olhos que ficou a saber tudo o que ali iria meter. Faz
questão de dizer que está bem rodeado. “São muitos sacrifícios e uma
grande equipa.”
Antes da visita (diária) ao bairro, esteve no
escritório, foi ao Belcanto, respondeu a e-mails e ainda deu os parabéns
a dois dos duzentos empregados que naquele dia faziam anos. “Eu tenho o
número, obrigado”, diz a uma funcionária no novo escritório do Grupo
Avillez, também no Chiado. Um apartamento amplo, decorado em tons de
branco, sossegado e onde a maior força de trabalho é feminina. Mulheres
bonitas e bem arranjadas. “É a minha sina, viver rodeado de mulheres. O
meu pai morreu quando eu era muito pequeno, e eu fui criado pela minha
mãe e com a minha irmã.”
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Maria Cerveira, irmã da apresentadora Sofia Cerveira, é a assistente
pessoal, a pessoa que lhe gere a agenda diária, que faz com que não se
esqueça dos eventos, das entrevistas e que com ele vê os projetos a que
vai responder. Os pedidos são muitos e variados, de estudantes de
gastronomia a bloggers, e chegam de Lisboa a Nova Iorque. “Eu sei que
não é preciso avisar, mas eu aviso”, diz-lhe Maria, enquanto contabiliza
o tempo de uma entrevista.
Uma semana antes, andou com uma equipa de
reportagem da CNN a mostrar Cascais, a fazer de embaixador de um
produto, de um país. Apesar de ser natural desta vila, escolheu o Chiado
para se instalar. “A minha namorada [agora mulher] morava aqui, e eu
apaixonei-me também pelo sítio. Além disso, hoje faz todo o sentido.”
Não é preciso andar muito para ir de uns espaços aos outros.
Percorre-os
a pé, mas é no Belcanto, onde estão as duas estrelas Michelin, que
reside o centro da sua cozinha. Ao pé dele está sempre David Jesus, o
jovem alto e moreno que costuma atravessar o Largo de São Carlos para ir
ver outras cozinhas do grupo. Veio com ele do Tavares, sem saber como
seria o futuro, e não lhe passa pela cabeça sair para abrir um
restaurante seu. É o diretor de produção, o número dois de todas as
cozinhas do grupo, chefe-executivo do Belcanto e braço-direito na
gastronomia. Partilham o aniversário. E fazem do restaurante-estrela um
laboratório criativo. Há muitas ideias que saem de lá.
“Vamos
passar a ter uma reunião para falarmos de ideias. Peço-vos que tragam as
vossas. Se provarem alguma coisa noutro lado que gostem, que achem que
faça sentido, tragam também, mas digam que a ideia não é vossa. Não há
mal nenhum, mas não podemos usar as ideias dos outros. Eu não posso ser
enganado, temos de ter honestidade criativa. Não vou achar que vocês são
piores por trazerem uma ideia de outro lado por isso”, diz a um grupo
de jovens cozinheiros, no Belcanto, que quando ele chama se juntam, de
agenda na mão, para o ouvir. Em uníssono, eles respondem-lhe: “Sim, chefe."
* Já nos deliciámos com ementas deste grande chefe, apenas lhe desejamos um enorme sucesso no futuro, é um combatente que admiramos.
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