17/07/2016

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ESTA SEMANA NO 
"EXPRESSO"
O que é que o Avillez tem?

O mais estrelado chefe português finaliza um novo e grande projeto, um bairro só de comida sua. É mais um passo no império

O sucesso é, por vezes, um conceito difícil de definir. Tem a ver com popularidade, bons resultados, boas vendas. José Avillez conjuga um pouco disso tudo. Ele está em todo o lado: na televisão, na rádio, nas revistas... Há dois anos que tem duas estrelas Michelin — é o único chefe português com tal distinção no currículo. Não para de criar projetos. De tal forma que os cinco restaurantes que tem no Chiado (tem mais um no Porto e o take-away em Cascais) são chamados de império gastronómico.
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Quase se pode dizer que possui uma espécie de toque de Midas. A metáfora para este sucesso vê-se num dia normal no Largo de São Carlos, no Chiado. Um jovem chefe alto e moreno aperta o avental, coloca um pano ao ombro e fala sobre menus com outro chefe ainda mais jovem. Um pasteleiro atravessa o largo, em passo apressado, com um tabuleiro vazio nas mãos. 

Na rua que sobe, vê-se um empregado de cozinha a caminhar de bloco na mão. Todos têm na jaleca (uma espécie de bata branca que os chefes vestem na cozinha) o nome de um dos restaurantes do Grupo José Avillez. Sem nunca se afastar do Belcanto, o restaurante onde detém as duas estrelas e onde faz a sua cozinha de autor, o chefe vai abrindo restaurantes paralelos. 

Em breve haverá novo espaço, que na realidade será muito mais do que isso. José Avillez está a cerca de um mês de abrir o seu bairro, a sua interpretação de um típico bairro lisboeta, recheado de detalhes. Um sítio de comida. Uma feira de diversões gastronómica. Mas também, e sobretudo, o seu maior investimento. Sobe assim mais um degrau no que toca à ideia de sucesso que lhe atribuem.

No país onde os chefes, mesmo os mais premiados e conhecidos, lutam ano a ano para manter o break even, onde sobrevivem melhor os restaurantes integrados em hotéis (dos 14 com estrela Michelin, sete fazem parte de um hotel), José Avillez dá-se ao luxo de arriscar. E vai acrescentando peças ao império que gira à sua volta. À volta da sua imagem e do seu nome. Ele é o próprio modelo de negócio.

Mas o que faz ele diferente dos outros? O que é que distingue um chefe? Ou melhor, qual é o fator diferenciador que o eleva do patamar de bom chefe de cozinha a bem sucedido dono de uma cadeia sem nunca deixar de fazer a dispendiosa cozinha de autor? Qual a diferença entre um chefe de cozinha de autor que se inspira para criar e um chefe que é todo ele o centro de um negócio? José Avillez é, na gastronomia, o equivalente a um atleta de alta competição. Está sempre pronto para competir, neste caso para cozinhar. 
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Dorme pouco, trabalha todos os dias e controla os mínimos detalhes — dos menus de grupo que serão servidos no Páteo do Bairro do Avillez aos aventais que farão parte do merchandising, às luzes que vão ficar por cima dos balcões do seu novo espaço. Como se fosse um polvo cujos tentáculos tocam em todas as pontas do negócio, apesar de aí ter os respetivos braços-direitos, os diretores de área, alguns deles que vêm desde o início da sua carreira.

Há algum tempo que deixou de ser apenas um chefe, é um gestor e o CEO. O Grupo José Avillez tem uma solidez que permite abrir novos restaurantes e continuar a desenvolver a cozinha de autor no Belcanto, de onde vêm os prémios e a fama. E é o sucesso aspiracional que o Belcanto cria que torna possível surgirem os espaços paralelos. É um ciclo interligado. Um homem, um modelo de negócio. 

Um caminho que, visto de fora, se fez rapidamente e sem sobressaltos. Nove anos bastaram para impor a sua marca. Para juntar ao negócio de take-away, o primeiro, mais de uma mão-cheia de restaurantes diferentes. Um percurso que começou em Cascais, a vila onde nasceu, a fazer eventos e se instalou, definitivamente, no Chiado, a zona mais nobre e cara de Lisboa.

O começo com as tramezzinis
Este sucesso não está apenas nas receitas que saem das mãos do chefe. Ou nas ideias criativas que brotam da sua cabeça. Para o compreender é precisar recuar até 2007. A história do império de José Avillez começa por causa de sanduíches. Foi num encontro de negócios para um projeto de consultadoria entre Ana Arié e o chefe que se começou a desenhar a parceria que viria a desembocar no tal império. “Eu queria montar uma empresa de sanduíches, de tramezzinis, e tive uma reunião com o Zé para ele fazer consultadoria. Depois da reunião percebemos que podíamos fazer algo mais e nasceu aí a ideia de fazermos uma sociedade para uma empresa de catering e take-away”, conta Ana Arié, hoje a diretora comercial. Ana pertence a uma destacada família judia que detém a Perfumes & Companhia. 
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O Grupo Arié SGPS esteve concentrado até 2015 na representação e distribuição grossista de marcas estrangeiras ligadas à cosmética, perfumaria e moda. Formado por Rudolph Arié em 1954, comprou no ano passado a Barreiros Faria e as 146 lojas a nível nacional, ficando com mil trabalhadores e vendas de 130 milhões de euros. Tornou-se a maior empresa de retalho da área. Um negócio que envolveu a Autoridade da Concorrência e que obrigou a nove meses de trabalho de consultadoria jurídica, entregue ao escritório de Vieira de Almeida. Ana tinha levado o pai, Charles Arié, à tal reunião e depois percebeu que o tio também teria de ser envolvido. A vida do chefe cruzava-se com os investidores perfeitos, que lhe iriam dão asas para voar. “Da parte da administração, de que eu não faço parte, o que posso dizer é que ainda são piores que o Zé [risos]. O Zé diz e a resposta é logo ‘vamos embora para a frente’. Há um grande grau de confiança”, conta Ana.

O casamento entre os dois parceiros acontece depois de José Avillez sair do restaurante do Hotel Albatroz, em Cascais, quando tinha um serviço de catering para eventos. Faltava menos de meio ano para estagiar no El Bulli, o famoso restaurante espanhol de Ferran Adrià, o responsável pelo estatuto que os chefes de cozinha adquiriram. E um ano para entrar no restaurante Tavares. “Fazíamos muitos eventos. E fazíamos tudo, tratávamos não só do catering mas também dos empregados. Estávamos em Cascais, então não nos poderíamos dar ao luxo de nos esquecermos de alguma coisa. Fizemos a bienal da Joana Vasconcelos, o jantar de apresentação do jornal ‘Sol’, o casamento da irmã do Zé”, diz Paulo Salvador, hoje o diretor operacional do grupo, braço-direito de Avillez desde 2005. O homem que fazia tudo o que não era cozinha. Paulo tratava das propostas, contratava os funcionários, levava a comida no carro até ao local do evento. É a pessoa que há mais tempo trabalha com José Avillez. Hoje são quase duzentos funcionários.
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A empresa cresceu muito desde aí, mas Paulo continua a ser das pessoas mais próximas. Recentemente, foi com o chefe até Paris para servir o catering dos 50 anos da Cartier. Uma das exceções que José Avillez abre no que diz respeito a eventos. “Fazemos pontualmente, só para alguns clientes mais antigos que já trabalham connosco há muito tempo”, explica Ana Arié.

Quando Ana se juntou a Paulo e José não se sonhava com estrelas Michelin. “Nunca foi um objetivo”, explica Mónica Bessone, colega de curso e a pessoa que Avillez foi buscar para tratar da comunicação. Foi o terceiro braço-direito a juntar-se ao grupo. Os três, num escritório diferente daquele que inauguraram há pouco tempo, deram com Avillez os primeiros passos da empresa. Por esta altura, José Avillez somava sucessos à frente do Tavares, cujo pico foi a estrela Michelin, que o restaurante entretanto perdeu, em 2010. Foi também com eles que tomou a decisão de sair. “Não foi uma decisão fácil. 
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O Tavares era um restaurante conhecido por triturar chefes. Mas estava na altura, o chefe queria muito ter os seus próprios projetos. Criar a sua própria marca. É uma pessoa muito criativa”, defende Mónica. É a essa vontade que vai buscar a justificação para tantos projetos, tantas ideias, tantas horas de trabalho.

Tomada a decisão, construída a equipa base e com o apoio dos investidores, o Grupo José Avillez foi crescendo com dois projetos de cada vez. Primeiro foi o Cantinho do Avillez, em 2011, enquanto se tratava do Belcanto, que abriu em 2012; a seguir, em 2013, a Pizzaria Lisboa e o Café Lisboa; no ano seguinte, o Mini Bar e o Cantinho do Avillez, no Porto. Pelo caminho vieram as estrelas — a primeira no ano de abertura e a segunda dois anos depois — e outros prémios, como um lugar no prestigiado “The World’s 50 Best Restaurants List”. Agora, é a renovação do Belcanto, cuja restruturação fez com que a sala ficasse com menos lugares, e o Bairro do Avillez. “Ele conta-nos a ideia, vê o que nós achamos, mas ele já tomou a decisão. Ele sabe quando deve fazer”, frisa Mónica.

Um bairro no centro da cidade 
O Bairro do Avillez impressiona, primeiro, pelo tamanho. Só quando se entra e se começa a dar uma volta pelo piso inferior é que dá para ver que não se trata de um restaurante ou de mais um mercado. Sem se dar por isso, por detrás daquela porta, na concorrida Rua Nova da Trindade, faz-se uma transição da caótica Lisboa para a bairrista e típica capital. E é aí que impressiona pelo detalhe. Entra-se e há uma taberna, com comida típica portuguesa e petiscos, uma mercearia, onde estarão à venda produtos, depois passa-se para uma zona comum, o páteo, onde ficarão mesas e um balcão em forma de L de onde sairão diferentes tipos de comida.
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Azulejos pintados à mão na taberna, peças de cerâmica de Cátia Pessoa, a ceramista de sempre e que costuma criar loiça para o chefe, muitas vezes a partir de desenhos do próprio Avillez, um envelope escrito à mão pendurado numa caixa de correio, uma janela portuguesa com um xaile e retratos antigos, um monóculo direcionado para um livro dentro de uma parede e focado na palavra “indulgência”, que significa satisfazer-se, entregar-se. “Uma ideia destas não nasce de um dia para o outro. Tinha-a há algum tempo, há muito tempo que namorava este sítio. Era um sonho que não sabia se podia realizar”, confessa o chefe depois de ter subido ao escadote para verificar a luz por detrás da bancada da cozinha. Do lado de dentro andam já equipas a fazer testes. Tal como o resto, também aqui tudo foi pensado ao pormenor, de modo a criar estações de cozinha que consigam tornar o trabalho mais eficaz. Do lado de fora, a arquiteta Ana Anahory — filha do arquiteto José Anahory, a quem o espaço, que antigamente era um ateliê, pertenceu — supervisiona os últimos detalhes. A decoradora testa as várias opções para uma janela no segundo andar: até agora ficará com uma bicicleta antiga.

“Fiz um bairro de Lisboa. A ideia é que as pessoas entrem aqui e se sintam num bairro e que depois, quando saírem, voltem para a agitação do dia a dia.” E o objetivo é ir muito além da cozinha, apesar de nos sentirmos num parque de diversões gastronómico ao entrar. “Apetecia-me fazer uma coisa muito inesperada e diferente do que há em Portugal. Era essa a minha única certeza.” A taberna é uma zona de comida mais rápida e descontraída, e no centro, no páteo, o foco vai para o produto, com destaque para o peixe e o marisco e com um serviço de mesa para uma experiência mais demorada. Entre as 12h e as 24h será possível fazer uma refeição.
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Vestido de forma casual e com os sapatos de cozinha nos pés (uma espécie de botins de plástico parecidos com os que os médicos costumam usar), José Avillez sobe e desce escadotes, certifica-se da ordem em que as peças de cerâmica serão colocadas, fala com os empregados de cozinha para ouvir as impressões deles. Diz que hoje em dia delega muito nos outros, fala sempre na equipa, mas a verdade é que controla todos os pormenores. Garante que não foi num abrir e fechar de olhos que ficou a saber tudo o que ali iria meter. Faz questão de dizer que está bem rodeado. “São muitos sacrifícios e uma grande equipa.”

Antes da visita (diária) ao bairro, esteve no escritório, foi ao Belcanto, respondeu a e-mails e ainda deu os parabéns a dois dos duzentos empregados que naquele dia faziam anos. “Eu tenho o número, obrigado”, diz a uma funcionária no novo escritório do Grupo Avillez, também no Chiado. Um apartamento amplo, decorado em tons de branco, sossegado e onde a maior força de trabalho é feminina. Mulheres bonitas e bem arranjadas. “É a minha sina, viver rodeado de mulheres. O meu pai morreu quando eu era muito pequeno, e eu fui criado pela minha mãe e com a minha irmã.”
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Maria Cerveira, irmã da apresentadora Sofia Cerveira, é a assistente pessoal, a pessoa que lhe gere a agenda diária, que faz com que não se esqueça dos eventos, das entrevistas e que com ele vê os projetos a que vai responder. Os pedidos são muitos e variados, de estudantes de gastronomia a bloggers, e chegam de Lisboa a Nova Iorque. “Eu sei que não é preciso avisar, mas eu aviso”, diz-lhe Maria, enquanto contabiliza o tempo de uma entrevista. 

Uma semana antes, andou com uma equipa de reportagem da CNN a mostrar Cascais, a fazer de embaixador de um produto, de um país. Apesar de ser natural desta vila, escolheu o Chiado para se instalar. “A minha namorada [agora mulher] morava aqui, e eu apaixonei-me também pelo sítio. Além disso, hoje faz todo o sentido.” Não é preciso andar muito para ir de uns espaços aos outros. 


Percorre-os a pé, mas é no Belcanto, onde estão as duas estrelas Michelin, que reside o centro da sua cozinha. Ao pé dele está sempre David Jesus, o jovem alto e moreno que costuma atravessar o Largo de São Carlos para ir ver outras cozinhas do grupo. Veio com ele do Tavares, sem saber como seria o futuro, e não lhe passa pela cabeça sair para abrir um restaurante seu. É o diretor de produção, o número dois de todas as cozinhas do grupo, chefe-executivo do Belcanto e braço-direito na gastronomia. Partilham o aniversário. E fazem do restaurante-estrela um laboratório criativo. Há muitas ideias que saem de lá.

“Vamos passar a ter uma reunião para falarmos de ideias. Peço-vos que tragam as vossas. Se provarem alguma coisa noutro lado que gostem, que achem que faça sentido, tragam também, mas digam que a ideia não é vossa. Não há mal nenhum, mas não podemos usar as ideias dos outros. Eu não posso ser enganado, temos de ter honestidade criativa. Não vou achar que vocês são piores por trazerem uma ideia de outro lado por isso”, diz a um grupo de jovens cozinheiros, no Belcanto, que quando ele chama se juntam, de agenda na mão, para o ouvir. Em uníssono, eles respondem-lhe: “Sim, chefe."

* Já nos deliciámos com ementas deste grande chefe, apenas lhe desejamos um enorme sucesso no futuro, é um combatente que admiramos.


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