Saudade
é o amor que fica
Ultimamente tenho ouvido, das mais variadas pessoas, a seguinte
frase: "Tenho tanto medo de um dia perder o meu pai, ou a minha mãe."
Isso tem-me feito pensar, talvez por também ter a mesma inquietação.
Segundo a lei natural da vida, é isso que irá acontecer. O contrário é contranatura, e essa sim, é a maior de todas as dores.
Uma das maiores tristezas e perdas que tive na vida foi a morte
de um tio meu, José Maria Horta e Costa, casado com uma irmã muito
querida do meu pai. Este meu tio era, na minha vida, muito mais do que
um tio: era o meu grande amigo, foi a primeira pessoa que me ensinou a
acreditar em mim, talvez umas das pessoas mais cultas com quem já me
cruzei e, por isso, tive o privilégio de crescer a ouvir as suas
histórias e a conhecer de perto a sua sabedoria.
Num dia que jamais esqueceremos, decidiu mudar de casa e foi
obrigado a fazer um seguro de vida. Descobriu de repente, aos 50 anos,
que estava com um cancro em estado avançado nos pulmões. Lembro-me, como
se fosse agora, dessa tarde em que o meu tio foi a minha casa e nos
informou a todos, com a maior amizade e fé do mundo, que estava com uma
doença grave e que iria ter de submeter-se a tratamentos muito
dolorosos.
Foram poucos meses até a vida o levar. É raro o dia em que não penso no meu tio e na falta que me faz. Gostaria tanto de ainda partilhar consigo tantas histórias e tantos momentos. De certa forma, continuo a fazê-lo porque tenho fé e isso ajuda-me a acreditar que um dia voltaremos a estar juntos.
Mas existe um detalhe essencial que ainda não contei, e que atenua brutalmente esta minha tristeza...
É que no penúltimo dia, mesmo antes de o meu tio morrer, tive a oportunidade de me despedir. Perguntou-me, já quase sem forças, quando seria a minha primeira exposição de pintura individual. Respondi-lhe que não sabia, mas que seria em sua homenagem, e foi! E depois de me abraçar, disse-me para eu não chorar, porque prometia continuar a estar sempre presente na minha vida e a proteger-me.
No meio de tanta emoção e tristeza, disse-lhe ainda que o meu primeiro filho iria chamar-se José Maria e esse foi o momento em que lhe vi pela última vez um sorriso. Depois, abracei-o e, durante muito tempo, fiquei apenas a dizer-lhe o quanto gostava dele e a importância que ele tinha na minha vida.
Hoje, anos depois, e quando a saudade fala mais alto, lembro-me sempre daquelas palavras e lembro-me com muita alegria que tive a sorte e a oportunidade de lhe dizer o quanto o admirava.
É por isso que se temos este medo de perder aqueles de quem mais gostamos, nunca devemos perder a oportunidade de lhes dizer. Nunca devemos ir para a cama zangados ou tristes com quem é importante para nós, pois não sabemos se amanhã acordaremos. E, aí sim, a perda triplica o sofrimento. Porque vamos ficar a vida toda a pensar que talvez aquela pessoa tenha partido sem saber o quanto gostávamos dela.
Um dia, contaram-me uma história que nunca mais esqueci, de um
médico oncologista que também viveu de perto a despedida de uma criança
de 11 anos.
A certa altura da sua vida este médico começou a frequentar a enfermaria infantil e apaixonou-se pela oncopediatria... Até que um dia uma criança de 11 anos, calejada por dois anos de tratamentos diversos, manipulações, injecções e todos os desconfortos trazidos pelos programas de químicos e radioterapias, passou por ele.
Certo dia,chegou ao hospital bem cedo e encontrou aquela criança sozinha no quarto. Perguntou-lhe pela sua mãe.
E ela inocentemente respondeu-lhe que às vezes a sua mãe saía do quarto para chorar escondida nos corredores... E depois disse-lhe ainda que quando ela morresse, a mãe iria ficar com muitas saudades. Mas acrescentou ainda que não tinha medo de morrer.
E o médico perguntou-lhe o que representava para ela a morte,
ao que ela respondeu:"Quando somos pequenos, às vezes vamos dormir na
cama do nosso pai e, no outro dia, acordamos na nossa própria cama, não
é? Um dia, eu vou adormecer e o meu Pai vem buscar-me. Vou acordar na
casa Dele, na minha vida verdadeira!"
O médico ficou pasmado com a maturidade que o sofrimento
acelerou na visão e na espiritualidade daquela criança. E,no fim, ela
acrescentou: "A minha mãe vai ficar com saudades."
Emocionado, o médico perguntou-lhe o que significava para ela a saudade. E a criança respondeu:
"Saudade é o amor que fica!"
Hoje, o médico lança o desafio a várias pessoas para definirem a
palavra "saudade". Garante que nunca encontrou nenhuma resposta melhor
do que esta.
Saudade é o amor que fica!
IN "SÁBADO"
13/06/16
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