Diário de bordo:
Rio de Janeiro
A vista do Cristo Redentor é das coisas mais lindas que
já vi. Viajámos a noite toda, quase dez horas de avião, mal sentados,
mal descansados, mas cheios de vontade de pôr o pé no Rio. A Deolinda
embarcara para a sua estreia na Cidade Maravilhosa. Já havíamos tocado
em Garanhuns e em São Paulo, aqui há três anos, e foram datas
memoráveis, pela entrega do público, pela maravilha da descoberta mútua.
Por isso, esta data era especial para nós. Sabíamos que teríamos gente a
apoiar-nos. Mas sabíamos também que, numa praça ao ar livre, o desafio
seria agarrar os milhares de pessoas que nos viam, a maior parte sem nos
conhecer, certamente, e convencê-los a não se irem embora. Por isso, a
visita ao Corcovado, no dia da chegada, funcionou quase como uma
inspiração para a noite do dia seguinte, com a vista daquela cidade a
ajudar-nos a encontrar o espírito certo para enfrentar o palco.
Celebrava-se o Dia de Portugal e comemoravam-se os Santos Populares,
que inspiraram as festas juninas no Brasil. O ensaio de som correu bem,
mas a lei de Murphy não deixou o concerto por mãos alheias e, mesmo em
cima da hora do concerto, a mesa de som «morre». Troca-se a mesa de som
do palco com a mesa de som da frente e começa-se com 40 minutos de
atraso, com o nosso técnico, Sérgio Milhano, a fazer em menos de dez
minutos algo que demora, no mínimo, duas horas e a salvar a noite, fruto
do seu enorme profissionalismo, conhecimento técnico e cabeça fria. O
primeiro acorde soou, finalmente, e sentimos o calor do público, a
contrastar com o frio que se fazia sentir no Rio de Janeiro.
As filas da frente sabiam as letras de cor, as filas de trás pulavam e
dançavam. O alinhamento estava feito para não dar quase um minuto de
descanso a quem ouvia. Ensinámos-lhe algumas expressões de cá que não se
usam lá, como berbicacho, o título de uma canção nossa, cantaram em
coro connosco o refrão da canção, mostrámos-lhes como se dançam as
marchas populares em Portugal (mãos na anca e ginga no corpo, pois
claro). Saiu uma marcha sambada, um encontro de culturas, uma partilha
de amizade e de uma ligação que se fortalece aos poucos, com um cada vez
maior interesse do Brasil na cultura portuguesa. Quando a cultura
vence, não há nada a temer. Obrigada, Brasil. Queremos voltar rapidinho,
rapidinho, né?
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
26/06/16
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