04/05/2016

LÚCIO MIGUEL CORREIA

.


Lacuna regulamentar 
ou a ditadura  das
 transmissões televisivas?

O campeonato nacional da mais importante competição desportiva do futebol profissional em Portugal (LIGA NOS) está ao rubro, quando apenas faltam duas jornadas para o seu fim.

Ditou a competência e qualidade desportiva demonstrada pelos eternos rivais de Lisboa ao longo da prova (SL Benfica SAD e Sporting Clube de Portugal SAD), que apenas um dos dois, obterá o mais importante e almejado troféu nacional de futebol profissional cá do burgo.

É facto indesmentível e do mais simples senso comum que, as duas próximas jornadas, serão decisivas sobre quem vai ser o próximo campeão nacional, pelo que - não tenhamos dúvidas - esta incerteza de âmbito desportivo aumentará o interesse nacional e internacional sobre a competição, quer a nível do público em geral, quer a nível de potenciais sponsors e agentes financeiros com capacidade de investimento no futebol português.

As competições desportivas em geral, em especial no futebol – veja-se o recente exemplo do Leicester na milionária Liga inglesa de futebol profissional - necessitam de vencedores imprevistos ou de múltiplos potenciais vencedores até à última jornada. É a emoção que faz o Desporto e a vida terem uma magia inolvidável.

Competições desportivas com vencedores antecipados fazem perder interesse público, provocando enormes quebras de audiências e de receitas aos clubes numa fase crucial da época.

Assim, há medida que a nossa principal competição profissional de futebol avança para o seu epílogo final, aliado ao número reduzido de potenciais vencedores, os motivos de interesse sobre quem vai ser o próximo campeão nacional de futebol profissional português aumenta, o que não deixa de ser, um apanágio interessante numa competição pautada pelo evidente desequilíbrio financeiro, desportivo e competitivo dos seus participantes.

Todavia, o Comunicado Oficial nº 352 do passado 29 de Abril do presente ano da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, determinou que os próximos jogos de Sporting SAD e SL Benfica SAD, referentes à 33º jornada do campeonato, sejam disputados por estas equipas, em dias e horários distintos.

Assim, a Sporting SAD disputará o seu jogo com a Vitória FC SAD no próximo dia 7 de maio (Sábado), pelas 20.45h, com honras de transmissão televisiva pela Sporttv, enquanto que, a SL Benfica SAD disputará o seu jogo no próximo dia 8 de Maio (Domingo) pelas 20.30h contra a Maritimo SAD, também com transmissão televisiva assegurada pelo mesmo canal.

Dispõe o art. 44º nº5 al. k) do Regulamento de Competições da LPFP que: “sem prejuízo de casos de força maior, os jogos correspondentes à última jornada de qualquer competição oficial a disputar por pontos devem ser realizados no mesmo dia e à mesma hora.

Prevê o art. 44º nº6 do Regulamento de Competições da LPFP que: Excetua-se do disposto na alínea k) do número anterior o caso dos jogos, devidamente autorizados pela Liga, cujos resultados não tenham interferência direta ou indireta na tabela classificativa, em matéria de promoções e despromoções, de obtenção do primeiro lugar, de lugares de posicionamento nas fases da Taça da Liga e de lugares de acesso às competições da UEFA.

Acrescentando o nº 7 da mesma disposição que: “Relativamente aos jogos a disputar na última jornada, a Liga, com vista a permitir a transmissão televisiva direta de jogos, pode autorizar as alterações em bloco de jogos que envolvam todos os clubes que disputem a obtenção de um mesmo objetivo, desde que o resultado desses jogos não possa ter, relativamente a terceiros clubes participantes na mesma competição, qualquer influência nos aspetos classificativos relevantes discriminados no número anterior, devendo esses jogos alterados ser realizados simultaneamente.”

Face ao exposto, o referido comunicado oficial da LPFP, não viola as mencionadas disposições regulamentares. No entanto, também não beneficia a credibilidade e integralidade da competição desportiva em causa.

Lá diz o velho ditado: “À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta.”

Note-se e realce-se o agendamento dos restantes campeonatos europeus de futebol (Alemanha, França e Holanda), e mais concretamente em Espanha, onde os três grandes emblemas de “nuestros hermanos” (FC Barcelona, Atlético de Madrid e Real Madrid) se encontram separados por apenas um ponto a duas jornadas do fim, disputarão o título de futebol profissional até ao último segundo.

As Ligas alemã, francesa e holandesa e mais uma vez, em particular a espanhola - ao invés da nacional - para não prejudicarem ou beneficiarem nenhuma equipa, mas sobretudo, por razões de transparência, defesa da imagem e credulidade da competição, apesar da importante e incontornável questão dos direitos de transmissão televisiva, determinaram que na próxima jornada (a penúltima tal como em Portugal), todos os clubes jogarão ao mesmo tempo e à mesma hora, não dando azo a qualquer tipo comentário ou consideração indevida.

Ainda que atualmente se desconheça ou não esteja cientificamente comprovado, que o facto de uma determinada equipa jogar antes ou depois do rival direto, se traduza na obtenção de uma vantagem ou desvantagem desportiva relevante para o desfecho final de uma competição e para a sua classificação final, a verdade é que o agendamento de jogos decisivos para a obtenção do título de campeão nacional na penúltima jornada, em dias e horas completamente distintos, permite um conjunto generalizado de especulações e desconfianças que bem poderiam ser evitadas.

Da mesma maneira e sob o mesmo entendimento, tendo em conta os mesmos valores ético-desportivos supra identificados, estará em causa, nos jogos das equipas que pretendem assegurar um lugar numa competição europeia da próxima época (SC Braga, Arouca, Paços de Ferreira, Rio Ave e Estoril) bem como, nas equipas que ainda lutam pela permanência na Liga NOS (Vitória de Setúbal, União da Madeira, Académica de Coimbra e Tondela).

Tudo isto, já para não falar da ainda mais complexa e ultra competitiva Ledman Liga Pro onde as dúvidas sobre as equipas que ascenderão à Liga NOS e aquelas que poderão descer ao campeonato de futebol não profissional ainda são bem maiores, em que se justificaria ainda mais, que todos os clubes deveriam jogar ao mesmo tempo e à mesma hora a partir da penúltima jornada.

É sabido por todos, da dependência das principais instituições intervenientes do futebol nacional, relativamente às operadoras e aos direitos de transmissão televisiva das SADs de futebol, e não tenhamos a menor dúvida que este, foi um fator importante na elaboração e aprovação das referidas normas do Regulamento de Competições da LPFP, inexistindo qualquer lacuna regulamentar nesta matéria, mas sim, uma infeliz derrogação da famigerada e tão propalada “verdade desportiva”.

A denominada “ditadura” dos direitos de transmissão televisiva das competições de futebol, não é uma síndrome de característica nacional exclusiva.

Todavia, a importância e os interesses económicos dos aludidos e mencionados direitos de transmissão televisiva, jamais deverão ser superiores aos interesses da integralidade das competições desportivas em que se inserem.
Fica o alerta para quem de Direito.


Advogado na MGRA Soc. Advogados (lmc@mgra.pt) e Docente Direito do Desporto Universidade Lusíada de Lisboa

IN "SOL"
03/05/16

.

Sem comentários: