O problema de opinar
sobre tudo
O Presidente Marcelo pronuncia-se todos os dias sobre alguma coisa de
natureza política, em particular sobre questões de natureza governativa.
Como o Presidente se encontra numa espécie de permanente estado de
graça ninguém acha mal e aqueles com quem o Presidente manifesta
concordância acham ainda melhor. Mas o Presidente faz mal em banalizar a
sua opinião, até porque nem sempre tudo vai ser tão fácil como é nestes
dias.
A uma dada altura vai ficar silencioso sobre umas
matérias e loquaz sobre outras, o que motivará legitimamente a presunção
de que, nos casos em que fique silencioso, discorda. Ora este
permanente metadiscurso sobre a governação, como aliás sobre a actuação
dos partidos, acaba também por dar um sinal de interferência contínua na
governação, o que não cabe ao Presidente. Acresce a tentação de tornar o
Conselho de Estado numa espécie de governo próprio a que ele Presidente
preside, ao também aumentar o número de vezes que anunciou ir ouvir
esse órgão de aconselhamento sem decisão. Os tempos que aí vêm, insisto,
não são fáceis e por isso o Presidente precisa de autoridade e
gravidade e não de banalização.
Ar fresco no que dizemos sobre a Grécia
António
Costa praticou um acto político importante ao nível europeu ao assinar
com Tsipras um documento contra a austeridade, que diz com clareza que a
austeridade não é uma solução económica mas uma ideologia, e que a
prática da austeridade não resolveu nenhum dos problemas que dizia
resolver. Foi, no pior sentido, uma política em que muitos pagaram um
enorme preço social a favor de poucos, com o escândalo de que esses
poucos foram os principais responsáveis pela própria crise de 2008. Os
gregos sabem-no melhor do que ninguém e Tsipras tornou-se uma personagem
paradoxal, que suscita uma relação incomodada, entre o traidor e o
"responsável".
Mas, o que mostra o outro ar que se começa a
viver, é perceber a gigantesca diferença entre o discurso que Cavaco,
Passos e Portas tinham sobre a Grécia, uma mistura de revanchismo, de
querer ficar com os poderosos a esmagar os fracos, de má consciência, de
um convocar de ameaças e fantasmas e a afirmação límpida de que hoje na
Europa é preciso mudar, e que essa mudança pode hesitar quanto ao
caminho, mas não pode hesitar quanto a que andar para trás é um novo
desastre.
O prato da novidade é um dos que os jornalistas mais gostam de comer
Eu
acho espantoso que haja jornalistas a dizerem que o PSD "mudou" de
estratégia, abandonou a esperança de eleições a curto prazo e deixou de
considerar o Governo Costa ilegítimo e apoiado pelos "comunistas".
Porquê? Porque houve um discurso de Passos em que ele veio dizer tudo
isso, preocupando-se em dizer quase ipsis verbis tudo o contrário do que
tinha dito, num acto de mudança verbal quase tão tonitruante como o
"social-democracia sempre". E depois mudou alguns aspectos mais ou menos
coreográficos da actuação parlamentar, nenhum dos quais muito
relevante, nem substantivo. O homem disse que mudara 180º e os senhores
jornalistas tomam-no à letra e dizem que sim, que o homem entrou no
Congresso verde e saiu vermelho, ou vice-versa. Ninguém se interroga que
partido político, que direcção partidária, que liderança, muda assim de
um dia para o outro sem uma explicação, uma análise, uma constatação de
erros, e está tudo bem. Como o prato que se punha aos senhores
jornalistas era o da "novidade", eles comeram-no sofregamente. Não
adianta perceber que os homens que estão com Passos são os mesmos e
pensam o mesmo, e que a bandeirinha continua lá na lapela. Basta dizer
umas coisas e está tudo mudado. Passos já fez isto várias vezes, mas
também ninguém se lembra. O que parece é, já dizia o Velho.
O congresso virou radical e esquerdista?
Vejo
com alguma ironia que a maioria dos temas que tem servido de base às
críticas que tenho feito ao PSD no "ajustamento", passaram de malditas a
aceitáveis. Não é que há quem venha falar da necessidade de
"recentramento" do PSD, ou seja que considera implicitamente que este
virou e muito à direita? Sorrio, com ironia. Não é que há quem venha
falar da necessidade de o PSD se voltar outra vez para a "classe média"
que abandonou nestes últimos anos? Sorrio, com ironia. Não é que há quem
venha falar da necessidade de dar atenção ao "elevador social", ou seja
à mobilidade social, que nos anos do "ajustamento" só desceu e não
subiu? Sorrio, com ironia. Não é que há quem venha dizer que o PSD
precisa de fazer uma "viragem social", o que significa que o não fez
nestes anos? Sorrio, com ironia. Claro que é tudo dito de forma vaga e
inconsequente, porque o passo de dizer quem é que virou o PSD à direita,
quem conduziu com vasta concordância a política anti-social da troika,
quem culpou a "classe média" do pecado de "viver acima das suas posses",
teve 95% dos votos dos delegados e quem quer fazer carreira dentro, não
pode passar destes vagos enunciados. É este modo de actuar que
transforma os partidos políticos em desertos de pensamento. Mas eu,
radical e esquerdista, sorrio com ironia, ao ver a enorme influência do
radicalismo e do esquerdismo no PSD de Passos.
IN "SÁBADO"
15/04/16
.
Sem comentários:
Enviar um comentário