HOJE NO
"JORNAL DE NEGÓCIOS"
Impedir despejos por dívidas tributárias:
o que dizem os fiscalistas
Numa altura em que o Parlamento se prepara
para impedir despejos por dívidas tributárias, o Negócios pediu a dois
fiscalistas um olhar técnico sobre o diploma. O princípio é bom, mas são
precisos alguns retoques na redacção.
Os deputados votam esta quarta-feira, 6 de Abril, a versão final da proposta que pretende impedir que quem tem dívidas ao Fisco possa ser despejado da sua casa própria.
Para os fiscalistas ouvidos pelo Negócios, o propósito é meritório, mas
são precisos alguns acertos técnicos para a lei ficar mais clara e
facilitar a sua execução.
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Diogo Bernardo Monteiro, sócio da FCB, começa por apontar a definição
de habitação própria permanente, que é o activo que os deputados
pretendem proteger da venda.
"Embora o conceito de habitação própria permanente seja usado em sede de IRS
e de IMT, não existe um registo fiscal sobre o mesmo. Sem haver troca
de informações, a Autoridade Tributária (AT) não tem forma de verificar
se uma casa declarada como habitação própria permanente é mesmo a
habitação permanente do contribuinte", uma situação que cria insegurança
jurídica.
Para se perceber melhor, imagine-se um contribuinte que comprou uma
casa, a declarou para efeitos de IMT como habitação própria permanente
mas que entretanto a emprestou ou arrendou sem declarar. "Como se sabe
que já não é habitação permanente? Como se faz a prova? Como é que o
contribuinte pode contestar?", questiona o advogado, para quem estas
questões têm potencial de discussão entre a AT e o contribuinte.
Serena Cabrita Neto, da PLMJ, concorda que será necessário densificar
estes procedimentos, mas admite que tal se faça através de uma
circular, pela AT. "Sendo um direito, a lei talvez pudesse ser mais
explícita". Não o sendo, "julgo que a AT terá de esclarecer por circular
os requisitos".
Uma segunda dúvida que o diploma levanta tem a ver com os escalões de
IMT. Genericamente estabelece-se que um imóvel pode ser penhorado, mas
não vendido pela Autoridade Tributária" se o seu valor não atingir a
taxa máxima em sede de IMT (574.323 euros) – nestes casos, a suspensão só dura um ano, findo o qual, a casa é posta é venda pelo Fisco.
O IMT é, contudo, um imposto que incide sobre o valor patrimonial
tributário ou sobre o valor de transacção do imóvel, consoante o que for
mais alto, pelo que não se percebe qual deles é que serve de patamar,
afirma Diogo Bernardo Monteiro, que lembra ainda que o IMT tem duas
tabelas (uma para habitação própria permanente, outra para outros
prédios), e que o diploma não distingue qual delas deve ser aplicada.
Para Serena Cabrita Neto esta é a principal imprecisão do diploma,
porque "um imóvel pode ter sido sujeito à taxa máxima de IMT aquando da
sua transmissão mas não ter esse valor patrimonial tributário".
Ainda neste ponto, Diogo Bernardo Monteiro questiona a mudança
abrupta de escalão e que leva a discrepâncias como a seguinte: "Se um
prédio valer 574.322 euros não pode ser vendido, mas se valer mais 5
euros já o pode". Aqui, diz o advogado, mais valia ter sido coerente e
ter seguido um método progressivo, aproveitando os escalões do IMT, com
níveis de isenção por escalão.
Por fim, há ainda referência aos prazos de prescrição, que o projecto
de lei prevê que se suspendam durante o período em que o imóvel está
penhorado mas sem poder ser vendido. Mas neste aspecto as opiniões
dividem-se.
Diogo Bernardo Monteiro acha que "só faz sentido suspender um
prazo de prescrição se a Autoridade Tributária não puder ir avançando
com o processo", o que não acontece neste caso. Não podendo vender a
casa, o Fisco pode ir procurando outros activos para penhorar, pelo que
ao suspender o prazo de prescrição "estou a promover a ineficiência da
AT, com prejuízo para o contribuinte", diz o advogado. Já Serena Cabrita
Neto vê a decisão como "justa", já que não faz sentido o Fisco abdicar
de um direito e deixar os prazos de prescrição a correr.
O
advogado e sócio da FCB deixa ainda um comentário lateral, de fundo. Um
relacionado com a injustiça que o diploma encerra ao apenas proteger o
direito à habitação própria. "O direito à habitação é universal, mas um
proprietário não pode ser despejado e um inquilino pode", assinala.
"Então e se eu for arrendatário? Porque não há lei que impeça que o
salário seja penhorado até ao montante necessário para pagar a renda?,
questiona o advogado".
* Quando as leis que têm um objectivo humanitário e são redigidas de modo enviesado só vão beneficiar os grandes escritório de advogados, até parece de propósito.
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