HOJE NO
"JORNAL DE NEGÓCIOS"
Bruxelas reconhece
Troika subestimou problemas da banca
Chefe de divisão da Comissão Europeia defende
que os problemas na banca portuguesa foram subestimados em 2011. O país
está agora a pagar o preço, com colapsos do BES, Banif e muito mal
parado que penaliza lucros. Banco mau será difícil.
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A VERDADEIRA BANDEIRA |
O
alto técnico da Comissão Europeia com responsabilidade sobre os
sistemas financeiros nacionais reconheceu em Lisboa que os problemas na
banca portuguesa foram subestimados no programa de ajustamento
implementado entre 2011 e 2014. O erro da troika e das autoridades
nacionais está a custar caro ao país: BES e Banif
rebentaram de forma surpreendente exigindo quantidades enormes de
dinheiro público já após o conclusão do programa, a economia sofre com
níveis ainda crescentes de crédito mal-parado, e o governo enfrenta
agora regras europeias mais complexas para criação de bancos maus que
ajudem à reestruturação da banca.
O reconhecimento de erros no desenho dos programas de ajustamento por
instituições da troika não é frequente, em particular pelo BCE e pela
Comissão Europeia. Mas foi o que aconteceu em Lisboa, na sexta-feira,
dia 15 de Março, numa conferência organizada pela Representação
Portuguesa da Comissão Europeia, que analisou os programas de
ajustamento em quatro países: Irlanda, Espanha, Portugal e Letónia.
Filip Keereman, chefe de divisão da Direcção-geral Estabilidade
Financeira, com responsabilidade sobre os sistemas financeiros
nacionais, partilhou com a audiência as lições que tira da experiência
dos últimos anos. Uma das principais conclusões é que Portugal está a
ficar para trás nesta frente e tal deve-se, em parte, ao facto das
autoridades terem subestimado os problemas na banca.
"Provavelmente deveríamos ter prestado mais atenção ao sector
financeiro em Portugal", afirmou no início da sua apresentação,
continuando: "um sector financeiro relativamente pequeno [à escala da
UE], e uma subestimação dos problemas levou a um envelope financeiro
dedicado ao sector relativamente pequeno em Portugal, tanto em
percentagem do PIB, como em percentagem do envelope total", avaliou.
O programa de ajustamento português inclui 78 mil milhões de euros de
financiamento para o período 2011 a 2014, dos quais 12 mil milhões
ficaram reservados à banca. Concluído o programa e saída limpa em Junho
de 2014 sobraram 6,4 mil milhões de euros do dinheiro da banca. Só que
sobraram também muitos problemas: deste então rebentaram o BES e o Banif
que já exigiram ao Estado mais do esse montante, o mal parado continua a
crescer, e os níveis de confiança no sector financeiro são mais baixos
que noutros países.
"Os desenvolvimentos iniciais foram muito promissores, e só foram
usados 5,6 mil milhões de euros, mas depois tivemos várias surpresas
negativas e necessidades de recapitalização acrescidas com Banif, BES e
desenvolvimentos posteriores no BPN. Tudo somado e o valor ultrapassa o
envelope inicial previsto [de 12 mil milhões de euros]", afirmou o
especialista da Comissão.
Agora, com a vantagem da experiência, Keereman considera que Portugal
deveria ter feito testes de stress à banca e avaliações de activos
"mais rigorosas" logo em 2011, à semelhança do que aconteceu por exemplo
em Espanha e Irlanda. "Talvez assim se tivesse evitado o caso BES, que
surgiu um pouco como uma surpresa", diz.
O país deveria também de ter recebido mais que os 12 mil milhões de
euros destinados à reestruturação do sector; e avançado com um veículo
para reestruturação de crédito mal parado, como fizeram a Irlanda e
Espanha "com sucesso". "Uma das lições da crise é que, tal como nas
contas públicas, as medidas no sector financeiro devem ser concentradas
no início dos ajustamentos", comentou.
Portugal a ficar para trás
"A confiança recuperou em todos os países com programas – com a
excepção da Grécia. Em Portugal a confiança também regressou, mas ainda
não recuperou a posição prévia à crise e não faz companhia a Espanha,
Irlanda ou Letónia. Está mais na companhia de Chipre ou da Roménia",
avaliou o especialista, no início de uma análise a vários indicadores
sobre a saúde do sistema financeiro que ajudam a perceber a fragilidade
nacional.
Os rácios de capital na banca melhoraram "mas menos que na Irlanda ou
Letónia"; a rendibilidade dos bancos é baixa e permanece pressionada
pelas contribuições que terão de fazer para o fundo de resolução e pelas
possíveis perdas com o Novo Banco; a concessão de crédito à economia
ainda está a contrair; e o "crédito mal-parado tem estado a recuar
noutras economias, mas não em Portugal", analisou. Em suma: muito foi
conseguido, "mas Portugal está a ficar para trás da Irlanda, Espanha e
Letónia", afirmou perante a audiência que contava com representantes e
economistas dos quatro países.
O desafio colocado pelos elevados níveis de mal parado, um tema que
tem merecido atenção em Portugal na última semana após a sugestão de
António Costa de criação de um banco mau, gera apreensão também em
Bruxelas.
"O crédito mal parado continua a subir e este é um facto chave a
prejudicar a rendibilidade e a concessão de crédito à economia" avaliou
Keereman, destacando uma evolução preocupante no balanço dos bancos: "a
criação de provisões em percentagem do mal parado está a recuar (...) o
que resulta de buffers de capital estreitos e de rendibilidades que não
são muito elevadas", disse, deixando ainda o que pode ser lido como um
aviso ao governo: não será fácil avançar com um banco banco mau em
Portugal para lidar com o crédito problemático. Em parte a dificuldade
resulta do país chegar tarde a esse debate.
Banco mau agora será mais difícil
"A criação de um empresa de gestão de activos como fizeram com
sucesso a Irlanda ou a Espanha não é óbvia", começou por dizer. É que um
banco mau exige um "contas públicas em ordem, e níveis mínimos de
rating", o que falta em Portugal, mesmo comparando com o momento em que
estes veículos foram criados em Espanha e na Irlanda. "Não é óbvio que
pudesse funcionar em Portugal", reforçou.
A dificultar mais este caminho estão as novas regras de resolução
bancária, que prevêem perdas para depositantes antes da entrada de
dinheiro público, um desenvolvimento complexo do ponto de vista
político: "os contribuintes são eleitores, mas os depositantes também
são", lembrou. "As empresas de gestão de activo foram muito bem
sucedidas na Irlanda e em Espanha, não são uma receita fácil para outros
países, dado o estado das finanças públicas e as novas regras de
bail-in", resumiu no final da sua intervenção.
O especialista mencionou o caminho que está a ser seguido em Itália -
com a criação de um sistema de garantias públicas a créditos
titularizados e um banco mau com capital privado - mas não se alongou em
considerações. Por entanto ninguém arrisca vaticinar qual será o
sucesso da iniciativa italiana. Por cá, Teodora Cardoso, já partilhou o
seu cepticismo em relação à aplicabilidade dessa solução em Portugal:
nem o Estado nem os bancos têm dinheiro para financiar esse banco mau,
defendeu.
* Sem querer ser um elogio consideramos que a Comissão Europeia conseguiu funcionar pior que o governo de Passos e Portas.
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