A Assunção de Passos
Aconteceu e em simultâneo. No dia em que
Marcelo Rebelo de Sousa dá a sua última aula de direito administrativo
na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Passos Coelho
apresenta a sua última moção de estratégia à liderança do PSD. Sob o
lema de um "Compromisso reformista", o presidente social-democrata
avança sem oposição mas não se antecipa sem confronto. Nos tempos
próximos, navegando à vista da governação socialista e das alianças à
Esquerda, espera que o seu fatalismo histórico se confirme: não especula
sobre o papel do presidente da República face a uma eventual crise
política mas depende dessa crise para evitar que os ditos
sociais-democratas do partido o reformem compulsivamente. Sem
compromisso. Só há futuro político para Passos Coelho caso o vento não
sopre de feição a António Costa. E, ainda assim, muito depende daquele a
quem apelidou - no último Congresso do partido - de "cata-vento" e a
quem criou todos os obstáculos possíveis no caminho para Belém. Após ter
"catado" o eleitorado ao Centro, quererá o social-democrata Marcelo
mostrar administrativamente ao liberal Passos para que lado sopra o
vento?
No campo dos fenómenos naturais não se pode dizer que
Passos, por concorrer sozinho e sem ninguém à ilharga em eleições
directas, tenha acabado com o PSD. Independentemente do vento que sopre
de Belém, há sempre um Rio que corre. Ou um Morais Sarmento que emerge.
Daqui a seis meses, a luta pela bandeira da social democracia será
impiedosa. A "segunda geração de reformas" a que Passos Coelho se
compromete perante um crescimento económico socialista minguado, terá
que ser dirigida para dentro do próprio partido, agora que não conta com
a execução orçamental forçada dos amigos de Bruxelas. Os amigos de
Bruxelas são de ocasião e a ocasião é o momento. E o momento é de Costa.
Ninguém acredita que Passos resista quatro anos na Oposição sem
concorrência interna. Paulo Portas percebeu-o há muito e já teve essa
Assunção. A sua.
Passos prefere assumir outro caminho e, ao
contrário de Portas, encerra-se no seu semicírculo, não procurando
descendência. Continua a ser irrazoável, acreditando agora que o cenário
macroeconómico que fielmente serviu durante quatro anos, o possa
salvar. No fundo, Passos Coelho ainda não tirou o "pin" da lapela apesar
de ter abandonado o discurso da ilegitimidade governativa da Esquerda.
Como fez questão de nos informar no dia anterior à apresentação da sua
moção ao congresso, caso estivesse no Governo "estaria a bombar para
afastar a crise". É essa a sua assunção. Alguém lhe explique que
continua a bombar para o que já devia ter acabado mas continua.
* MÚSICO E ADVOGADO
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
02/03/16
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