HOJE NO
"DIÁRIO ECONÓMICO"
George Soros
“A União Europeia está
à beira do colapso”
Grécia, Rússia, Ucrânia, o referendo britânico, a crise dos refugiados, o conflito na síria são alguns dos desafios da União Europeia.
A chanceler alemã, Angela Merkel, previu e a realidade
concretizou-se. “A União Europeia está à beira do colapso”, diz George
Soros, numa entrevista publicada na “New York Review of Books” e que o
Económico republica em exclusivo para Portugal.
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“A crise grega ensinou
às autoridades europeias a arte de improvisar para ir resolvendo
sucessivas crises. Esta prática é popularmente conhecida como uma fuga
para a frente, embora fosse mais exacto descrevê-la como chutar uma bola
por uma encosta acima de maneira que ela volta a rolar para baixo”,
critica Soros. “Hoje a UE confronta-se não com uma crise mas com cinco
ou seis crises ao mesmo tempo”, lamenta.
Quando a “Time” publicou na capa uma fotografia da chanceler
alemã Angela Merkel, chamou-lhe a “chanceler do Mundo Livre”. Parece-lhe
que a designação se justifica?
Sim. Como sabe, teci
críticas à chanceler no passado e continuo a criticar a sua política de
austeridade. Mas depois de o Presidente russo Vladimir Putin atacar a
Ucrânia, ela tornou-se a líder da União Europeia e, por conseguinte,
indirectamente, do Mundo Livre. Até então, havia sido uma política
dotada, capaz de interpretar o estado de espírito do público e de tê-lo
em conta. Contudo, ao opor-se à agressão russa, passou a ser uma
dirigente que teve a coragem de rebater as opiniões dominantes.
Foi
porventura ainda mais visionária quando reconheceu que a crise da
migração tinha o potencial de destruir a União Europeia, primeiro por
causar o colapso do sistema de fronteiras abertas de Schengen e depois
por enfraquecer o mercado comum. Tomou corajosamente a iniciativa de
mudar a atitude do público. Infelizmente, o plano não foi bem preparado.
A crise está longe de estar resolvida e a sua posição de liderança –
não apenas na Europa mas também na Alemanha e no seu próprio partido – é
alvo de ataque.
Merkel costumava ser extremamente cautelosa e deliberada. As pessoas podiam confiar nela. Mas, na crise da migração, agiu impulsivamente e correu um risco enorme. O seu estilo de liderança alterou-se e isso inquieta as pessoas.
É verdade mas congratulo-me com a mudança. Há muitos motivos de
inquietação. Como ela acertadamente previu, a UE está à beira do
colapso. A crise grega ensinou às autoridades europeias a arte de
improvisar para ir resolvendo sucessivas crises. Esta prática é
popularmente conhecida como uma fuga para a frente, embora fosse mais
exacto descrevê-la como chutar uma bola por uma encosta acima de maneira
que ela volta a rolar para baixo. Hoje a UE confronta-se não com uma
crise mas com cinco ou seis crises ao mesmo tempo.
Em termos mais concretos, refere-se à Grécia, à Rússia, à Ucrânia, ao próximo referendo britânico e à crise da migração?
Sim.
E não chegou a mencionar a causa primária da crise da migração: o
conflito na Síria. Como não mencionou o terrível efeito que os ataques
terroristas em Paris e noutras partes do mundo tiveram na opinião
pública europeia. Merkel previu correctamente o potencial da crise da
migração para destruir a União Europeia. Aquilo que era uma previsão
tornou-se uma realidade. A União Europeia precisa desesperadamente de
conserto. É um facto mas não é irreversível. E as pessoas que podem
impedir que o vaticínio de Merkel se concretize são na realidade o povo
alemão. Penso que os alemães, sob a liderança de Merkel, alcançaram uma
posição de hegemonia. Mas alcançaram-na sem custos. Normalmente, quem
detém a supremacia tem de olhar não só pelos seus interesses mas também
pelos interesses daqueles que estão sob a sua protecção. Chegou a altura
de os alemães decidirem: querem aceitar as responsabilidades e as
obrigações resultantes de serem a potência dominante na Europa?
Parece-lhe que a liderança de Merkel na crise dos refugiados é diferente da sua liderança na crise do euro? Acha que ela está mais predisposta a tornar-se uma líder hegemónica benevolente?
Isso seria
pedir de mais. Não tenho qualquer razão para alterar as minhas opiniões
críticas da sua liderança na crise do euro. Teria sido útil para a
Europa se ela tivesse adoptado muito mais cedo o tipo de liderança que
está a demonstrar agora. É pena que, quando a Lehman Brothers faliu em
2008, ela não tenha mostrado disposição para permitir que o resgate do
sistema bancário europeu fosse garantido à escala de toda a Europa
porque considerava que a opinião pública alemã prevalecente se oporia a
isso. Se tivesse procurado alterar a opinião pública em lugar de
segui-la, podia ter-se evitado a tragédia da União Europeia.
Mas não teria permanecido chanceler da Alemanha durante dez anos.
Tem
toda a razão. Ela foi exímia a satisfazer as exigências e as aspirações
de um largo sector do eleitorado alemão. Teve o apoio daqueles que
queriam ser bons europeus e daqueles que queriam que ela protegesse o
interesse nacional germânico. Não foi tarefa fácil. Foi reeleita com uma
maioria mais alargada. Mas, no caso da crise da migração, baseou a sua
actuação numa questão de princípio e estava preparada para arriscar a
sua posição de liderança. Merece o apoio dos que comungam dos seus
princípios. Levo esta questão muito a peito. Sou um veemente apoiante
dos valores e dos princípios de uma sociedade aberta em virtude da minha
história pessoal, tendo sobrevivido ao Holocausto como Judeu durante a
ocupação nazi do meu país. E estou convencido de que ela perfilha esses
valores em virtude da sua história pessoal, tendo crescido sob o domínio
comunista na Alemanha de Leste e sob a influência do pai que era
pastor. Por essa razão, sou seu apoiante apesar de discordarmos numa
série de questões importantes.
É conhecido o seu envolvimento na promoção dos princípios de uma sociedade aberta e no apoio à mudança democrática na Europa de Leste. Qual é a razão da oposição e ressentimento profundos em relação aos refugiados nesses países?
Porque os princípios de uma sociedade aberta
não estão suficientemente enraizados nessa parte do mundo. O
primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán está interessado em fomentar os
princípios da identidade húngara e cristã. A combinação da identidade
nacional e da religião é uma mistura potente. E Orbán não está sozinho. O
líder do partido no poder recentemente eleito na Polónia, Jaroslaw
Kaczynski, está a adoptar uma abordagem semelhante. Não é tão
inteligente como Orbán, mas é um político astuto e escolheu a migração
para tópico central da sua campanha. A Polónia é um dos países europeus
mais homogéneos dos pontos de vista étnico e religioso. Um imigrante
muçulmano na Polónia católica é a corporização do Outro. Kaczynski soube
pintá-lo como o demónio de forma magistral.
Em termos mais gerais, como vê a situação política na Polónia e na Hungria?
Embora
Kaczynski e Orbán sejam pessoas muito diferentes, os regimes que
desejam estabelecer são muito idênticos. Como já sugeri, procuram
explorar uma combinação de nacionalismo étnico e religioso para
perpetuarem a sua posição no poder. Num certo sentido, pretendem
restabelecer o simulacro de democracia que prevaleceu no período entre a
Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, na Hungria do Almirante Horthy e
na Polónia do Marechal Pilsudski. Uma vez no poder, são susceptíveis de
reter algumas das instituições democráticas que são e devem ser
autónomas, sejam elas o banco central ou o tribunal constitucional.
Orbán já o fez; Kaczynski está agora a começar. Será difícil afastá-los
do poder. Para além de todos os outros problemas, a Alemanha vai
defrontar-se com um problema polaco. Em contraste com a Hungria, a
Polónia tem sido um dos países de maior sucesso na Europa, tanto
económica como politicamente. A Alemanha precisa da Polónia para se
proteger da Rússia. A Rússia de Putin e a Polónia de Kaczynski são
mutuamente hostis mas são ainda mais hostis para com os princípios
fundadores da União Europeia.
Que princípios são esses?
Sempre
vi na União Europeia a corporização dos princípios da sociedade aberta.
Há um quarto de século, quando comecei a envolver-me na região,
tínhamos uma União Soviética moribunda e uma União Europeia emergente.
E, curiosamente, ambas representavam uma aventura em termos de
governação internacional. A União Soviética procurava unir os
proletários de todo o mundo e a UE procurava desenvolver um modelo de
integração regional baseado nos princípios de uma sociedade aberta.
Como se compara essa situação com a actual?
A
União Soviética foi substituída por uma Rússia ressurgente e a União
Europeia passou a ser dominada pelas forças do nacionalismo. No fundo, a
sociedade aberta em que tanto eu como Merkel acreditamos, em virtude
das nossas histórias pessoais, e a que os reformadores da nova Ucrânia
desejam aderir, em virtude das suas histórias pessoais, não existe. A
União Europeia devia ser uma associação voluntária entre iguais, mas a
crise do euro transformou-a numa relação entre devedores e credores, em
que os devedores têm dificuldade em cumprir as suas obrigações e os
credores fixam as condições que os devedores têm de satisfazer. Não é
uma relação voluntária nem igual. A crise da migração abriu outras
fissuras. Por conseguinte, é a própria sobrevivência da UE que está em
risco.
* Para reflectir.
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