Apanhados pelo clima
Antes do acordo ser anunciado na COP-21,
os líderes mundiais acotovelavam-se em declarações festivas sobre tudo o
que viria ser e sobre os louros pessoais. Espelho das alterações
climáticas, Obama salientava a importância da "liderança americana" como
o gancho que alfinetou o acordo em trajes históricos e David Cameron
assegurava o futuro do planeta pelas suas palavras. A euforia atingia
temperaturas altíssimas. É indiscutível que o texto é um belíssimo
compromisso teórico sobre o futuro, procurando conter o aquecimento
global em 1,5o, abaixo de níveis pré-industriais. Mas o impacto da
presença de mais de 150 líderes mundiais comprometidos numa solução não é
uma via verde. Há até quem não queira saber ou não emita opinião,
limitando-se a ligar o aquecedor. Numa viagem que seria certamente bem
mais importante do que aquela que Cavaco Silva fez à Madeira (sem
visitar sequer uma dependência do Banif, pasme-se...) em período de
reflexão sobre tudo o que já sabia sem ter dúvidas, o presidente
preferiu alhear-se de uma causa fundamental dos nossos dias. Talvez
porque a dimensão do problema não lhe aqueça nem arrefeça.
Pedro
Passos Coelho também não esteve fisicamente em Paris, embora o seu nome
constasse de documentos oficiais. O ex-primeiro-ministro teve o cuidado
notável de, a seu tempo, não se inscrever para falar durante a cimeira.
Mas servindo o seu interesse próprio mais quente do que o interesse do
país, tratou de nada tratar, não inscrevendo Portugal no lote dos países
que poderiam usar da palavra. E, assim, o recém-chegado António Costa
teve de entrar mudo e sair calado. É notável a dimensão do nossos ex e
futuro ex-estadista: Cavaco Silva marca a sua falta a vermelho depois de
Passos Coelho expulsar António Costa da sala. Claramente, apanhados
pelo clima.
Agora que a temperatura desce em Portugal Continental,
alguns partidos com assento parlamentar continuam a comportar-se como
ilhas. Longe da idade do gelo e mais perto de forjar a ferro e fogo, o
nível de agressividade latente da minoria de Direita para com a maioria
de Esquerda não se dissipa e, se há acordo, é sobre a total e absoluta
ausência de clima. As questões de justiça ambiental estão
intrinsecamente ligadas às questões de justiça social, pelo que nenhuma
força política deverá ser um obstáculo à colocação das questões
ambientais no coração das políticas fiscais das finanças públicas.
Convém que as actuais "forças de bloqueio" percebam que há mais mundo
para além do microcosmos que ainda aquece a sua ideia de Parlamento.
* Músico e advogado
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
16/12/15
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