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"EXPRESSO"
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“Já ninguém pára as sauditas”
Há pelo menos uma década que a historiadora, académica e escritora
Hatoon al-Fassi esperava um dia assim. Ver as mulheres concorrerem e
votarem em eleições. O resultado superou as expectativas: 18 eleitas
para conselhos municipais, com a “bênção” do rei Salman e a ira dos
líderes religiosos.
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Hatoon al-Fassi |
“Eu e o meu marido celebrámos, no domingo,
ao pequeno-almoço, os esforços dos últimos anos, sobretudo o início, em
2004, quando comecei a tentar convencer o Estado e a sociedade a
respeitar os nossos direitos”, conta Hatoon al-Fassi, numa entrevista ao
Expresso, por e-mail. “Nessa altura, coloquei em risco a minha primeira
gravidez. Tive de ser hospitalizada devido ao stresse intenso. Estou,
agora, naturalmente, muito entusiasmada.”
Se há alguém que pode
reivindicar crédito pelo escrutínio do passado fim de semana é esta
professora universitária em Riade — a capital e uma das cidades mais
conservadoras da Arábia Saudita. Foi ela quem, em 2014, herdou de
Fowziyah al Hani a liderança da Iniciativa Baladi, que formou e apoiou
muitas mulheres neste “processo histórico”.
Surpresa no feminino
Hatoon
al-Fassi explica porque ficou surpreendida — com o número de eleitos e a
afluência (a das mulheres superou, em algumas regiões, os 80%, contra
50% dos homens). “Esperava o mínimo porque o ministério responsável fez o
mínimo dos esforços e, como sociedade civil, a nossa capacidade de
organização é limitada. As mulheres enfrentaram obstáculos permanentes a
cada etapa eleitoral. Os resultados mostraram como as sauditas são
determinadas. Já ninguém as pode parar.”
De uma família
descendente de Maomé, profeta do Islão, mas seguindo uma escola sufi
progressista e não retrógrada como a corrente wahabita dominante no
país, Hatoon al-Fassi lamenta que alguns candidatos tenham recorrido a
“termos religiosos fora de contexto para desencorajar os eleitores a
votarem em mulheres”.
Nem todos lhes deram ouvidos e os sinais
parecem encorajadores: “Mulheres que são membros do Shura [conselho
consultivo] foram insultadas por condenarem leis discriminatórias. Os
caluniadores foram processados judicialmente. As queixosas recebem cada
vez mais apoio de outras mulheres que vão ganhando maior consciência.”
Os
próximos desafios, adianta Hatoon al-Fassi, serão “abolir o sistema do
guardião masculino, mudar o código de família, pôr fim à interdição de
conduzir e nomeações para cargos de decisão, a nível ministerial, em
particular”. A saudita para quem outras olham como fonte de inspiração
diz que não se importaria de seguir uma carreira política, mas admite
que não tem muitas opções. “Decidimos dividir as tarefas entres grupos
de mulheres. Por enquanto, estamos a festejar, mas não abdicamos de
reclamar todos os nossos direitos.”
Uma das candidatas
vencedoras foi Rasha Hefzi, diretora da Think N Link Cooperation, 38
anos, solteira e sem filhos. Vive em Jidá, principal entreposto
comercial e “a cidade mais liberal”. A sua empresa fornece vários
serviços, designadamente sondagens e campanhas para a promoção do
desenvolvimento socioeconómico. Não se estranha, pois, quando diz, em
conversa telefónica: “Usámos todos os meios ao nosso dispor: redes
sociais, cartazes nas ruas, call centers, e-marketing, porta a porta...”
Mais mulheres a trabalhar
Desde
os 15 anos que Rasha Hefzi milita ativamente por causas como o
feminismo, o diálogo inter-religioso e a democracia. Membro de várias
organizações não-governamentais, como a Assembleia Mundial para a
Juventude Muçulmana, ajudou a fundar diversas associações comunitárias.
“A minha prioridade é encorajar maior civismo”, declara. “Interessa-me
que as pessoas compreendam a importância de participar na vida pública.
As mulheres já são ativas em muitas esferas, em particular no sector
privado. Na Câmara de Comércio de Jidá, são figuras notáveis, embora
discretas.”
A segregação de sexos permanece uma realidade, mas
Rasha Hefzi prefere valorizar o número crescente de mulheres no mercado
de trabalho. “Fui eleita graças aos votos de muitos homens, muitos dos
quais empresários”, garante. “Há indicadores de mudança e quero
contribuir para dar mais poder às mulheres, através do conhecimento e da
experiência. Os direitos vão-se conquistando. A Arábia Saudita não é um
Estado monolítico. Cada região tem as suas especificidades.”
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Ensaf Haidar com uma foto de
Raif Badawi, Prémio Sakharov
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Aplicar
um plano diretor que garanta ordenamento urbano foi uma das promessas
eleitorais de Rasha Hefzi, uma das maiores críticas do sistema de
saneamento quando, em novembro, chuvas intensas causaram cheias que
romperam condutas de esgotos em Jidá matando dez pessoas. Entre os que
lhe deram o voto está Reem Asaad, conselheira financeira na Saudi Fransi
Capital Corporation, aclamada pela “Arabian Business Magazine” como uma
das “100 mulheres árabes mais influentes” (no 3º lugar).
Licenciada
em Ciência, com um mestrado em Química e pós-graduação em Investimento,
Reem Asaad foi uma das primeiras mulheres em cargos outrora ocupados só
por homens no poderoso National Commerce Bank. Na manhã das eleições,
fez-se acompanhar pela sua filha de cinco anos para ser ela a fazer
“deslizar o boletim de voto” na urna. “Acredito que o meu país avança no
sentido de ‘normas’ mais universais”, exulta, por e-mail. “Haverá
momentos sombrios mas o sol brilhará. Assim se faz história.” Num tweet
que se tornou viral, Reem Asaad escreveu: “Votei! Pela primeira vez na
minha vida adulta na #Arábia Saudita. Podem rir-se, mas é um começo.”
Prémio Sakharov
por razões diferentes acabou por caber, também, a uma mulher receber o
Prémio Sakharov deste ano. Foi o que fez Ensaf Haidar, mulher do blogger
saudita Raif Badawi a cumprir pena de prisão. Não podendo Badawi estar
presente em Estrasburgo, no Parlamento Europeu para receber a distinção
atribuída, foi portanto Ensaf Haidar a estar presente na cerimónia, na
passada quarta-feira (dia 16) exibindo, simbolicamente, uma fotografia
do marido.
O ano passado, Badawi foi condenado a dez anos de
cadeia, multa e mil chicotadas que, a terem sido aplicadas, lhe teriam
custado a vida. É acusado de insultos à religião, crime informático e
desobediência ao seu pai. Crimes e castigo dizem-nos algo sobre a Arábia
Saudita.
* Arábia Saudita uma feroz ditadura de quem o ocidente tem medo há mais de 50 anos.
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