Sinais dos tempos:
A crise de identidade
dos conventos
O ano dedicado à «Vida Consagrada» entre nós não
podia ficar ensombrado da pior forma. Para já duas notícias trágicas
ficarão para história deste ano.
Primeira. A Polícia Judiciária apreendeu, na semana passada, vários
objetos usados para castigar e flagelar noviças da Fraternidade
Missionária Cristo Jovem, em Requião, Famalicão, tendo constituído
arguidos um padre e três freiras, por crimes de maus-tratos, rapto e
escravidão.
A segunda. A Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal
(CIRP), teve a ideia maluca (porque perigosa como ficou demonstrado) de
pôr a circular por todo o país uma bicicleta de 12 lugares, que
percorria desde agosto passado o país, passando por mosteiros de
clausura e lugares mais significativos de muitos santos, permitindo
assim dar visibilidade à vida consagrada a Deus e ao próximo. Mas na
semana passada o original veículo teve um fatal acidente. A Irmã Maria
do Carmo morreu neste acidente.
Obviamente, que não é com alegria que vejo a dita «Vida Consagrada»
definhar. Os conventos foram lugares de santidade inigualável, espaços
privilegiados de estudo que contribuíram para o progresso da humanidade a
todos os níveis. Pelos conventos brilhou a cultura em geral
destacando-se a riqueza e a beleza da música, as enormes coleções de
livros, a culinária, a investigação científica, o pensamento filosófico,
os laboratórios, o desenvolvimento agrícola e nenhuma dimensão humana
foi descurada pelo trabalho dos conventos. Não esqueçamos o quanto foram
importantes para fixar as povoações e como foram portos de abrigo para
matar a fome material, cuidar da saúde e saciar a sede de Deus para
tantos homens e mulheres de tantos lugares do mundo e nos diversos
momentos da história da humanidade, especialmente, as ocasiões da
guerra, da peste e da fome.
Mas não podemos também deixar de ver que os conventos foram lugares
de verdadeira «escravidão» em nome da «santa obediência» e em nome da
desigualdade que ali se vivia como um desígnio divino. Tudo isto e as
mudanças humanas que se foram verificando com o passar dos anos, levaram
à escassez de vocações para a «vida consagrada». Hoje várias
congregações e conventos definham. São autênticos lares de idosos/idosas
sem sangue novo que lhes garanta olhar o futuro com um sorriso de
esperança.
Há também razões alheias à «vida consagrada», com toda a certeza,
para a convalescença dos conventos. Mas essencialmente a «doença» deriva
da perda de identidade da «vida consagrada». Os conventos
converteram-se em centros administrativos de escolas iguais às outras ou
centros de acolhimento de doentes sem que seja prioritário ser fiel à
mensagem dos seus fundadores. Estão dominados os frades e as freiras
pela Segurança Social de acordo com as políticas levadas a cabo pelos
partidos políticos que assumem a governação. São a mão caridosa do poder
político em muitas situações.
Esta perda de identidade, que passa pela infidelidade ao carisma dos
seus fundadores e a subjugação ao poder político vigente, conduziu os
conventos à sua inutilidade e a consequente morte das causas que
defendiam. Por isso, hoje temos congregações religiosas todas muito
iguais, não se percebe para que serve cada uma e qual é que é o destino
de cada uma. Os que restam nos conventos e nas congregações religiosas,
são alguns homens e mulheres idosos aflitos para segurarem o vasto
património que têm entre mãos, que resultou do seu momento histórico de
esplendor.
A «vida consagrada» não pode esquecer deliberadamente a dimensão da
fraternidade, não pode ser motivo de desigualdade onde os mais antigos
são senhores e reis que dominam os mais novos, não pode ser um caminho
de mordomias para comem bem e os outros comerem sobras ou uma zurrapa
qualquer só porque começam agora, não pode ser fechada do mundo e da
vida social de hoje, não pode recorrer à escravidão e à subjugação dos
candidatos, não pode ter como chefes pessoas doentes ou suspeitas de
alguma mazela pouco edificante, não pode ser apenas e só administradora
de vasto património, não pode deixar as suas causas e a razão de ser da
sua existência que normalmente estava associada aos pobres, à educação e
à saúde dos mais necessitados.
É urgente que a dita «vida consagrada» se reencontre com o espírito
dos seus fundadores e nos mostre em que é que se distingue para que a
partir daí os jovens estejam disponíveis para abraçar causas que
libertam e promovem o bem comum.
*PADRE
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
29/11/15
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