HOJE NO
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"28 A"
À mesa com desconhecidos
Não é um restaurante, é um novo supper club em Lisboa
onde podemos jantar com estranhos e na casa de estranhos. As reservas
estão cheias até Dezembro, mas conseguimos experimentar.
“Isto vai ser um jantar familiar?” Surge a pergunta à porta do 28A.
“Acho que não”, mas as dúvidas tiram-se assim que Inês, de dez anos, nos
vem receber à porta com um sorriso. Afinal, vai.
Descemos as escadas para entrar na vida de desconhecidos que preparam
o jantar numa azáfama, depois de mais um dia de escola e de trabalho.
Inês escolhe a música no portátil em cima da mesa da cozinha, enquanto
Íris e Gonçalo, os donos da casa e mentores deste novo supper club de
Lisboa, preparam os ingredientes para o jantar com estranhos que vão
chegando e tocando à campainha.
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“Quem é que aqui não gosta de Star Wars?”, pergunta Inês a tentar
angariar mais gente para a sua causa de desprezo à saga. Todos parecem
gostar e, na sala, Pankaj, um dos desconhecidos com quem vamos jantar,
até tem o Darth Vader tatuado no braço. “E quem é que gosta de One
Direction?” Silêncio na cozinha e depois gargalhadas. Ter uma miúda de
dez anos num jantar deste género ajuda a quebrar o gelo e a meter
conversa com desconhecidos.
A primeira regra do supper club não é não falar do supper club, ou
não estaríamos a escrever este artigo. Pelo contrário, foi o
passa-palavra a amigos e amigos de amigos que ajudou a que as reservas
para os dois jantares semanais do 28A já estivessem esgotadas até
Dezembro – mas aceitam-se novas datas e é uma questão de sugeri-las, ao
almoço e ao jantar.
A primeira regra deste supper club é que “não estamos num
restaurante”, sublinha Íris. Aqui podemos entrar e sair da cozinha, ver o
livro de receitas aberto em cima do balcão, fumar um cigarro no pátio
ideal para jantares em noites mais quentes ou ver Inês treinar pinos e
ginástica semiacrobática no sofá da sala.
Gonçalo e Íris têm profissões que não podiam estar mais longe da
cozinha: ele é consultor, e ela maquilhadora. “Há cinco anos, nem sabia
fritar um ovo”, confessa Gonçalo, que agora é o chefe da casa. Foi por
causa dos almoços que a filha tinha de levar para a escola “e para
ajudar a reduzir custos” que teve de aprender a cozinhar.
“Com a ajuda da app do Jamie Oliver fui começando a fazer coisas cada
vez mais rebuscadas e, às tantas, a Inês já me dizia: ‘Pai, pára de me
mandar coisas complicadas.’”
Menus
Os jantares de amigos começaram a acontecer sempre em casa de
Gonçalo, tal como as noites de póquer. “Uma vez fiz all-in e saí do jogo
mais cedo e fui fazer biscoitos para a cozinha. A partir daí, os meus
amigos disseram que as noites de póquer passavam a ser sempre aqui.”
Mas quase não há tempo para póquer. Desde que lançaram o supper club,
há um mês e meio, com um site e uma página de Facebook, que a agenda do
casal tem estado muito preenchida. E agora mais ainda, desde que
começaram também a fazer brunches ao domingo.
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Nos almoços e jantares há três menus à escolha, mas os pratos podem
ir mudando consoante os ingredientes disponíveis e as intolerâncias
alimentares dos visitantes. “Por exemplo, hoje, para entrada, a solha
não estava com grande cara e optámos por um pregado”, explicam.
Como prato principal há lombo de porco fumado com molho de goiabada,
arroz de limão (feito por Inês) e salada de endívias com romã, queijo
Pecorino e molho de iogurte grego. Para sobremesa, um duelo de musses: a
de lima, feita por Íris, com coco torrado, e a de Gonçalo, um pudim de
chocolate negro com espuma de caramelo. Comida digna de um restaurante
onde pagaria uma nota preta, é certo (aqui paga-se 40 euros, com bebidas
incluídas), mas a primeira regra é não comparar o 28A a um restaurante,
já se sabe.
À mesa discute-se qual é o melhor brunch de Lisboa, fala-se sobre o
iWatch de um dos desconhecidos, sobre o robô de cozinha sous vide que a
namorada está a desenhar, sobre outro duelo que não tem nada a ver com
musses, Spotify vs. iMusic, de festas desgovernadas que acabam com os
vizinhos a tocar à campainha, dos pombos que os gatos que parecem tigres
têm trazido para dentro de casa e das melhores séries que por aí andam
na ressaca de “Game of Thrones”.
Ainda há tempo para Gonçalo se sentar ao piano e tocar José Cid e a
“Bohemian Rhapsody” dos Queen, antes deste jantar se tornar um daqueles
desgovernados em que os vizinhos tocam à campainha e ameaçam chamar a
polícia. Enfim, hora de ir para casa, e o melhor é que desta vez não
somos nós a lavar a loiça.
* Ideia simpática e apetitosa, aqui vai o endereço : "28a.lisbon@gmail.com"
.
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