China:
crescimento ou reformas?
Olhei recentemente para uma série longa de
estatísticas do crescimento económico da China desde 1952 até 2014 e vi
uma verdadeira montanha russa repleta de súbitas subidas e arrepiantes
descidas.
.
Em 1965, por exemplo, o PIB cresceu 19,4% (ainda assim inferior aos
21,3% registados em 1958) e em 1967, em plena Revolução Cultural, a
economia contraiu 5,7%, nada que se compare com os 27,3% de crescimento
negativo registados em 1961 no rescaldo do "Grande Salto em Frente". Nos
últimos dez anos a China habituou-nos a um crescimento que apenas foi
de dois dígitos em quatro deles: 2005 a 2007 e 2010. Preocupamo-nos
agora com a possibilidade de ser de apenas 7% (ou talvez menos) em 2015,
mas o que as estatísticas também nos mostram é um dado que não podemos
esquecer: em 2005, os 11,3% de crescimento foram calculados sobre um PIB
de 15.987,8 milhares de milhões de RMB (1 RMB = 0,14 €) e os 7,4% de
2014 sobre 56.884,5 milhares de milhões de RMB e isso faz muita
diferença. À medida que a base de cálculo aumenta (e que aumento ela tem
registado) é de esperar que as taxas de crescimento diminuam.
Estes dados são os que resultam da análise do Anuário de Estatísticas
publicado pelo Gabinete de Estatísticas Nacionais da China, mas ele
próprio tem sido sujeito a algumas retificações e mudanças de filosofia
não só para atender a necessidades internas como a críticas internas e
externas. No final dos anos 1990, por exemplo, foram levantadas algumas
dúvidas sobre a qualidade das contas nacionais chinesas invocando-se uma
tendência para exagerar os dados sobre o crescimento enquanto que, em
2005, o primeiro censo sobre a produção publicado no país revelou que o
PIB tinha sido afinal largamente subestimado por não considerar o sector
dos serviços que está em rápida e constante expansão.
Na realidade, porque é que a China sofre uma tão grande pressão para
crescer? O principal indicador que o governo chinês monitoriza é o do
desemprego: enquanto o país for capaz de criar emprego, a estabilidade
será mantida e a taxa de crescimento será um indicador de somenos. Se
perguntarmos a uma qualquer pessoa na China qual a taxa de desemprego
ela dir-nos-á, sem sombra de hesitação, que é de 4%; se consultarmos as
estatísticas ficaremos ainda mais surpreendidos ao constatar que, ano
após ano, pelo menos desde 2010, ela não desce abaixo de 4,05% nem sobe
para além de 4,1% e que as projeções até 2020 se mantêm nestes limites.
Em 2014 estava prevista a criação de 10 milhões de novos postos de
trabalho, mas foram afinal criados 13 milhões muito à custa do sector
dos serviços. Um resultado tão positivo terá dado algum conforto sobre a
direção das reformas que o país quer continuar a fazer.
Estas reformas, "positivas e profundas" como refere o primeiro
ministro Li Keqiang, vão no sentido de transformar a economia atual,
guiada pelo investimento e assente nas exportações, num modelo em que o
consumo interno terá um papel mais relevante. Se a criação de emprego se
mantiver, o desaceleramento da economia chinesa pode ser bom para a sua
saúde e sustentabilidade, porém vem em má altura para o resto do mundo
e, em particular, para uma Europa desinspirada. Costumava dizer-se que
"quando os Estados Unidos espirram, o resto do mundo se constipa", mas
muitos analistas concordam que agora é a saúde da China que mais importa
e não é possível entender o que se passa na economia global sem
entender a chinesa. São tantos os países no mundo, em especial os
exportadores de recursos como o Canadá, a Austrália ou os países
africanos, com uma tão grande dependência da China!
O mais que podemos esperar é que a China seja capaz de engenhar um
abrandamento sem continuar a arrastar o resto do mundo para a recessão o
que, como os líderes chineses reconhecem, se poderá virar contra ela
afetando as suas exportações, mas também aí o país tem uma arma de peso
que já começou a utilizar: a capacidade para desvalorizar a moeda
nacional, o renminbi. Uma crise na China arrisca-se a ter maior impacto
fora do que dentro dela.
Professora no ISCTE Business School
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
30/08/15
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