Seis meses para isto?
Parece que foi
ontem. Mas não foi. O Governo grego já tem meio ano de vida. Nasceu de
punhos cerrados, esperneando por entre os despojos de uma Europa que
escorraçou mais de 20 milhões de almas para o desemprego. Para muitos, o
Syriza foi o agitador certo no momento ideal. Os gregos podiam alumiar o
caminho. Ou, pelo menos, forçar a discussão em torno de uma fórmula
austeritária que quis ensinar--nos a todos que é melhor empobrecer com
dignidade e viver do que desembainhar a espada e morrer sozinho na
batalha. O programa distintivo de Atenas começou por ser uma afronta,
passou a utopia, virou teimosia e acabou, a fazer fé nos contornos do
acordo em vias de ser alcançado, numa tremenda capitulação perante
aqueles que, no princípio, no meio e no fim, sempre deram as cartas do
jogo. Os credores.
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No xadrez da diplomacia, todos tratarão de
encontrar uma saída vitoriosa para a contenda. A Comissão Europeia, o
Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu esfregam as
mãos, missão cumprida tatuada no peito, projetando para o Mundo a imagem
do pequeno tiranete que acha que teve sempre razão; Alexis Tsipras e
Yanis Varoufakis, o mediático dueto grego que, sozinho, foi amparando os
golpes de Bruxelas, dirá ao eleitorado helénico que podia ter sido pior
se não tivesse sido a sua astúcia e bravura negociais. Mas a verdade é
que dificilmente podia ter sido pior para a Grécia. Dificilmente podia
ter sido pior para o projeto europeu.
Meio ano de avanços, recuos,
ameaças, amuos e faltas de respeito de ambas as partes deram nisto: a
resposta que a Europa parece ter encontrado para uma das suas mais
graves crises de identidade foi a já testada em Portugal, na Irlanda e
em Espanha: aumentar os impostos e as contribuições de cidadãos e
empresas. Mais austeridade. Seis meses para isto? Para acabarmos com os
gregos a depositarem 93% das suas medidas de controlo do défice na velha
receita fiscal e contributiva? Perversamente, ao esticar as
negociações, Atenas deu ao acordo um caráter de absoluta urgência,
facilitando, dessa forma, o trabalho de quem sempre quis navegar em mares menos turbulentos.
Agora,
um entendimento pode não ser, necessariamente, um final feliz.
Conseguirão os gregos impor uma cultura interna de cumprimento das
medidas? E conseguirá o Syriza explicar ao parceiro de coligação e ao
Parlamento que não teve duas caras, uma para os gregos e outra para a
senhora Merkel?
Seis meses depois, os gregos estão mais pobres e a Europa está mais dividida. Alguém quer reclamar vitória?
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
24/06/15
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