O lápis azul do arco
Sem confusões. Não
me refiro ao lápis azul da Viarco, essa afamada fábrica portuguesa de
lápis cuja história remonta a 1936. A verdade é que, traçada a lápis ou
caneta de tinta permanente, a planificação das eleições para os três
partidos do denominado "arco da governação" deve ser coisa dura. Não
contentes com a canseira, os três partidos (leia-se PSD/PS/CDS-PP)
esforçam-se há cerca de um ano para ultrapassar a desadaptada lei de
1975, consagrando um novo regime jurídico da cobertura jornalística em
período eleitoral através de um projecto-lei quase a sair do forno
(embora agora alguns o neguem). Sem que para isso tivessem envolvido e
ouvido - em tempo certo - os restantes partidos com e sem assento
parlamentar, os órgãos de comunicação social ou as suas confederações
representativas, ou sequer a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e a
Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), tidas e achadas como
cérebros desse novo órgão que apelidam de "comissão mista".
É
certo que o entendimento estrito que a CNE tem feito da lei
pós-revolucionária já teve consequência graves em 2013 e 2014 quando
todas os canais em sinal aberto se recusaram a fazer debates e a cobrir
de forma normal as acções de campanha nas eleições autárquicas e
europeias. O entendimento procurado entre a CNE e a ERC nunca foi
conseguido e, pelo contrário, só acentuou as clivagens. Pois são
precisamente estas duas entidades que o projecto-lei quer pôr a
funcionar numa espécie de visto prévio das campanhas eleitorais, ideia
peregrina, condenada ao desastre e, sobretudo, um atentado com memória à
liberdade de imprensa e todos aqueles que se lembram do lápis azul em
ditadura. Não admira que o diário espanhol "El País" fale em censura à
imprensa, referindo que "Portugal comemora 40 anos de liberdade de
expressão, mas parece que não cumprirá 41 ". Mais ano, menos ano.
A
questão não pode ser vista como circunstancial ou como um tiro fortuito
no pé. É grave. Podendo e devendo procurar uma solução que desfizesse o
enredo de uma lei construída no dealbar da democracia, os partidos da
governação cozinharam um projecto-lei, antecipando acções e palavras,
condicionando-as previamente à hipótese de uma mordaça. É
incompreensível que se preveja a obrigatoriedade de apresentação do
modelo de cobertura das acções das diversas candidaturas (previsão de
entrevistas, debates, reportagens) com antecedência até dois meses para
validação prévia da tal "comissão mista".
O que, a suceder, obrigaria os
media a desenhar a cobertura das campanhas eleitorais sem sequer saber
quais os candidatos que tratará de noticiar. Um absurdo. Isto num tempo
em que as televisões estão obrigadas a entregar a sua programação na ERC
com a antecedência de apenas 48 horas. Sabendo que os jornalistas estão
agarrados às normas da Lei da Imprensa e ao seu Código Deontológico
(para além, obviamente, da Constituição da República e Código Penal) não
é sobre os abusos ou inobservâncias da imprensa aos seus normativos que
o "arco da governação" pretende legislar. No campo dos direitos de
personalidade, da difamação e da violação da privacidade muito se
poderia fazer, de facto. Mas preferiram "trabalhar" no campo da
liberdade, entre os pingos de chuva, burocratizando. PCP e BE estão
contra. Carlos Magno, Presidente da ERC, já fez saber que se demitiria
caso o projecto-lei avance. Os media estão unidos na rejeição da
formatação legislativa de conteúdos políticos livres. Quem começa um
projecto-lei destes pelo telhado deve saber, obrigatoriamente, onde isto
deve acabar: na rejeição unânime da penumbra da censura prévia, assim
orquestrada lá em baixo, na cave.
Não sou jornalista nem
corporativo. E portanto, perdoem-me aqueles que são uma coisa ou outra
ou ambas. Mas incomoda-me que, sistematicamente, veja jornalistas
deslocando-se para fora das redacções para obterem declarações sem
direito a perguntas. Para esses casos há comunicados de imprensa,
declarações nas redes sociais, assessores de imprensa. Ou um técnico com
uma câmara e tripé para registar depoimento. Triste é ver jornalistas
de microfone em riste no momento em que deputados defendem, sem direitos
a perguntas, que este projecto-lei não tem a intenção de limitar a
liberdade de imprensa. Sujeição.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
28/04/15
.
Sem comentários:
Enviar um comentário