Pablo e Alberto,
287,6 milhões de euros
Pablo
Picasso e Alberto Giacometti ultrapassaram anteontem em Nova Iorque
todos os valores pensáveis na venda de arte. Tenho de refazer a frase:
obras de Pablo Picasso e Alberto Giacometti ultrapassaram anteontem em
Nova Iorque todos os valores pensáveis na venda de arte. A pintura mais
cara de sempre, a escultura mais cara de sempre. Houve até quem fosse à
Christie"s para se despedir das peças em leilão, prevendo que não voltem
tão cedo a ficar ao alcance do público. Os museus não têm dinheiro que
chegue para estas compras e o dinheiro hoje está no Extremo Oriente.
Giacometti
e Picasso foram contemporâneos em Paris e vagabundearam entre a
admiração e a rivalidade. O catalão Pablo, solar, cara redonda, amante
da vida, era mais velho 20 anos do que o suíço Alberto, noturno, cara
fechada, olhar inquietante e recolhido com o irmão Diego num ateliê
miserável. As vidas de um e do outro tiveram momentos de contacto e
preocupações comuns - primeiro, a sobrevivência, mais tarde as guerras
que varreram a Europa, e ambos tiveram a felicidade do reconhecimento
ainda em vida. Mas Picasso viveu 91 anos, rodeado até ao fim de
mulheres, filhos, netos, numa vida cheia de cores como a gigantesca obra
que deixou. Giacometti, impotente em consequência de uma papeira que
teve em miúdo e coxo depois de um atropelamento em Paris, arrastou-se na
ligação fortíssima à família deixada nos Alpes, teve algumas mulheres
neuróticas e muitas prostitutas.
As biografias dos dois cruzam-se
com esses grandes nomes que viveram a boémia efervescente de Paris no
século XX, de Man Ray a Cartier--Bresson e a Sartre. E é garantido que
visitaram os museus, viram a grande pintura e a grande escultura,
percorreram o Louvre, fascinaram-se com as artes africanas, trabalharam,
trabalharam, trabalharam muito. Foi no Louvre que começou certamente o
quadro que agora foi vendido por 161 milhões de euros, feito a partir de
Les femmes d"Alger dans leur appartement que Eugène Delacroix pintou em
1834. O appartement é um harém que Delacroix conseguiu visitar pela mão
de um corsário quando esteve no Norte de África, uma história
rocambolesca e um quadro extraordinário.
Picasso fez 15 versões de
Femmes d"Alger, e foi uma delas, a 0, que atingiu ontem o valor louco.
Giacometti
passou anos e anos a esculpir homens minúsculos que cabiam em caixas de
fósforos, para desespero dos comerciantes de arte. L" homme qui pointe,
vendido por 126,6 milhões de euros, foi feito numa noite, depois de ter
sido destruído e deitado fora, como era costume dele. Deste homem de
dedo espetado foram feitas seis cópias, uma delas esta, e pelo menos
temos esta garantia: algumas estão em museus que nos vão deixar olhar
para esta figura esguia, filiforme, linda de estarrecer.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
13/05/15
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