O Sr. ministro
quer casar com a
Sr.ª ministra, mas...
O título da crónica do Le Monde
é chamativo: "poligamia em série no governo marroquino". Exagero? Um
pouco. É certo que já havia um ministro que não se contentara com uma só
mulher, agora outro decidiu-se também por um segundo casamento. E assim
já vão dois. Não, três! Sim, porque é preciso notar que o Sr. ministro
das Relações com o Parlamento, Lahbib Choubani, quer casar-se com a Sr.ª
ministra delegada junto do ministro do Ensino Superior, Soumia
Benkhaldoun. Bela história da jornalista Charlotte Bozonnet, visitante
regular de Rabat.
O rumor sobre a paixão entre dois membros do
governo corria há tempos, mas tornou-se quase oficial quando o líder de
um partido da oposição falou do assunto.
Acusado pelas más-línguas
de ter estado na origem do divórcio da colega, de ser "um destruidor de
lares", o ministro arranjou forma de esclarecer através de "fontes
próximas" a um jornal que o falhanço do casamento anterior da amada lhe
era alheio. E, como que para provar a boa-fé, ficou-se também a saber
que o pedido de casamento à ministra Benkhaldoun seria feito na presença
da sua primeira mulher.
Deixemos agora a vida privada (e Choubani
é um eterno remodelável, notícia quando prepara o doutoramento, notícia
quando critica as roupas de uma jornalista) e falemos da nação: até que
ponto os 6% de casamentos polígamos no governo refletem a realidade de
Marrocos? Nada. O nosso vizinho do Sul, apesar de país muçulmano, não
contará com mais de 800 casamentos polígamos por ano, apenas 0,3% do
total de matrimónios.
Para se perceber esta discrepância é preciso
relembrar que o governo está nas mãos do Partido da Justiça e do
Desenvolvimento. Depois dos protestos de 2011, na onda da Primavera
Árabe, houve uma reforma constitucional e eleições, com os islamitas
moderados a ganhar, mesmo que apenas com um quarto dos votos, o que
facilitou ao rei o papel de fazedor de governos.
Ora, a tradição
marroquina mostra a força da emancipação feminina, com atletas como
Nawal el Mouatawakel, ouro olímpico, a dar o exemplo. Também há um
crescente número de diplomatas, como a embaixadora em Lisboa, e até a
política é terreno onde se afirmam cada vez mais. E desde que Mohammed
VI assumiu o trono, em 1999, tudo acelerou: a princesa Lalla Salma é o
exemplo da árabe moderna, tendo trabalhado como engenheira; e o código
da família de 2004 obriga ao consentimento da mulher se se quiser
segunda esposa.
Que sejam felizes o Sr. ministro e a Sr.ª
ministra. Mas este parece um daqueles casos em que quem governa está
aquém da sociedade. É um problema crónico em muitos países muçulmanos.
Aqui surpreende porque é em Marrocos.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
27/04/15
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