HOJE NO
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Caso Vistos Gold.
Fugas de informação levaram
arguidos a destruir provas
Ex-director do SEF recebeu um SMS de um elemento da Unidade Contra Terrorista a avisar que seria alvo de buscas no dia seguinte. Empresário chinês já tinha avisado em Março, em mandarim, que estavam “todos sob escuta”
Foi uma detenção mais do que
anunciada. A 23 de Março de 2014, Zhu Xiaodong, um dos empresários
chineses suspeitos de corrupção activa no processo Vistos Gold, avisou
por telefone um concidadão com o qual falava em mandarim sobre a
detenção de uma pessoa e de registos criminais falsificados: “Não fales
sobre estas coisas ao telefone. Todas as chamadas estão sob escuta
agora. Pessoas como nós que tratamos da emigração, estamos todos sob
escuta.”
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Mais ou menos por esta altura, António
Figueiredo, então presidente do Instituto dos Registos e Notariado
(IRN), fez o mesmo aviso a Eliseu Bumba, um cidadão angolano que aparece
referenciado no processo: era preciso ter “cuidado” pois o seu telefone
“de Portugal” estava sob escuta. Foram as últimas conversas telefónicas
que a Polícia Judiciária interceptou dando a entender que havia uma
teia de corrupção montada na administração pública em torno da
atribuição de autorizações de residência para investimento (ARI) a
cidadãos chineses. Os excertos das escutas constam de um acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa, a que o i teve acesso.
Perante o aviso de que estariam sob
escuta, os principais arguidos do processo começaram a mudar de tom ao
telefone e a evitar determinados temas. Manuel Palos, então director do
SEF, por exemplo, não voltou a pedir favores em troca da rapidez na
atribuição dos vistos dourados.
E António Figueiredo, então presidente
do IRN, ao mesmo tempo que deixou de falar ao telefone com os chineses
sobre autorizações de residência, desdobrou-se em contactos para apurar
se, efectivamente, as suas conversas estavam a ser interceptadas.
Mas esta não terá sido a única fuga de
informação que chegou aos ouvidos dos que estavam há meses a ser
vigiados naquela que foi baptizada de “Operação Labirinto”. Oito meses
depois do aviso de que estavam a ser investigados, e um dia antes de
serem detidos, Manuel Palos, o homem que liderava o Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras, foi avisado de que havia uma mega-operação de
buscas montada para o dia seguinte.
O aviso nem sequer chegou com grandes
disfarces: Palos recebeu um sms de um membro do SEF com funções na
Unidade Contra Terrorista (UCAT) – grupo que reúne, entre outros,
elementos do SIS, SIED, PSP, GNR e PJ. Os investigadores ficaram
estupefactos: os mandados de busca eram apenas do conhecimento de um
grupo restrito de intervenientes – 8 magistrados do DCIAP e 5/6
directores da PJ – e nem todos eles tinham conhecimento do conteúdo de
todos os mandados.
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A verdade é que a operação de buscas
chegou sem surpresa, dando tempo aos arguidos para destruírem e
ocultarem provas, nomeadamente comunicações electrónicas, conforme
indiciava uma escuta telefónica a Jaime Gomes, antigo sócio de Miguel
Macedo e também arguido no processo, e como uma perícia informática
viria a provar.
Manuel Palos terá demonstrado uma
“conduta de facilitação contínua”, pelo menos desde Novembro de 2013,
data em que começaram as intercepções telefónicas. Mas essa conduta,
segundo os investigadores, terá sido “abruptamente interrompida” já nos
primeiros meses de 2014. O Ministério Público suspeita que a primeira
fuga de informação ocorreu em finais de Fevereiro, início de Março
daquele ano, altura em que Palos começou a fazer questão de frisar ao
telefone que “todos os processos têm de seguir os trâmites normais,
independentemente de quem solicite urgência na solicitação”.
Palos teria como missão acelerar os
procedimentos, ou seja, ser uma espécie de “facilitador burocrático” na
obtenção de vistos dourados pelos clientes dos empresários chineses. O
Ministério Público suspeita mesmo que a partir da primeira fuga de
informação “plantou” conversas telefónicas só para “simular” que a sua
conduta nos vistos gold era correcta.
Ao mesmo tempo, o homem que liderava o
Instituto dos Registos e Notariado servia-se da sua rede de contactos
no SIS, na magistratura, no SEF, e na PJ, para indagar, “directa ou
indirectamente” se estava a ser alvo de intercepções. Por duas vezes,
como já relatado pela “Sábado”, o contactado foi Almeida Rodrigues,
director nacional da Polícia Judiciária. Da primeira vez, no início de
Março de 2014, António Figueiredo fez a pergunta por telefone, a partir
do seu secretariado. Da segunda, em Abril, aproveitou-se de uma
deslocação a Angola para questionar Almeida Rodrigues directamente. À
pergunta do director da PJ sobre quem o teria informado, Figueiredo terá
respondido apenas: “Um magistrado.”
Numa conversa telefónica que consta
dos autos do processo Figueiredo acrescentou um pormenor: refere-se à
fonte de informação como um procurador próximo do Ministério da Justiça.
As conversas telefónicas entre
Figueiredo e Zhu começaram a aparecer cifradas, com referências
imperceptíveis a “fábricas de batatas”, e uma conversa telefónica entre o
então presidente do IRN e a filha deu a entender que Figueiredo
mantinha outro número de telefone, que não era conhecido, e para o qual a
filha teria tentado ligar, mas sem êxito.
O facto de haver indícios de que uma
equipa do Serviço de Informações e Segurança (SIS) terá efectuado um
primeiro “varrimento electrónico” no gabinete do presidente do IRN , a
27 de Fevereiro, também não é encarado pelos investigadores como uma
mera coincidência temporal.
Certo é que, apesar de todas as
cautelas, Manuel Palos deveria continuar com dúvidas pois em Maio, numa
conversa com um indivíduo chamado “Zé”, aquele lembrou-o de que se
estivesse a ser investigado por causa dos “vistos gold”, Alexandra Góis,
funcionária do SEF destacada em serviço no DCIAP, já o teria avisado.
Nessa mesma conversa falam sobre “o
homem do IRN”. Zé diz ser voz corrente que, para além da posição que
exerce, Figueiredo teria um escritório que trataria desse tipo de
investimentos. E logo de seguida pergunta a Palos se aquele não o tem
chateado. O director do SEF diz que não, que só pede o que os outros
pedem.
Os cuidados dos arguidos foram
reforçados em Junho de 2014, depois de a “Sábado” avançar que estava a
ser investigada uma teia de corrupção e tráfico de influência à volta da
atribuição dos vistos dourados. Três semanas antes da divulgação da
notícia, a informação já seria do conhecimento do secretário de Estado
do Ministério da Administração Interna, João Almeida.
A partir desde momento, a colaboração
do director do SEF cessou totalmente, a ponto de os chineses serem
obrigados a contratar um escritório de advogados para acelerar a
atribuição do vistos. António Figueiredo, porém, nunca terá posto de
lado os seus negócios imobiliários, continuando a ter reuniões de
investimento e a fazer visitas a imóveis.
A 18 de Junho, houve nova limpeza
electrónica efectuada pelo SIS. E a 2 e a 16 de Junho, Figueiredo
contactou directamente a Procuradoria-Geral da República (PGR) no
sentido de averiguar se havia algum inquérito pendente em que fosse
suspeito.
Em Novembro, na mesma semana em que
foi detido José Sócrates, foram detidos onze suspeitos do caso Vistos
Gold, entre eles António Figueiredo (que ainda se encontra em prisão
preventiva), Manuel Jarmela Palos (obrigado a apresentações periódicas) e
a ex-secretária-geral da Justiça Maria Antónia Anes (que permanece em
prisão domiciliária). O Ministério Público avisa que não são os únicos
suspeitos.
Na fundamentação do acórdão da Relação
de Lisboa a que o i teve acesso, o Ministério Público sublinha que a
investigação “está longe de estar próxima de uma conclusão” e rejeita
processos “paralelos”. Frisa haver diversos suspeitos ainda não
constituídos arguidos e muita prova ainda a ser procurada através das
perícias informáticas, contabilísticas e financeiras em curso.
* Estes criminosos de "colarinho branco" são todos da inteira confiança dos ministros do governo que os tutelam.
* Estes criminosos de "colarinho branco" são todos da inteira confiança dos ministros do governo que os tutelam.
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