(A)versão da polícia
"Se
mandasse vocês seriam todos exterminados. Não sabem o que eu odeio
vocês, raça do caralho, pretos de merda." Constante numa reportagem do
Público sobre os acontecimentos de 5 de fevereiro na Cova da Moura, a
frase é atribuída a um agente da PSP da esquadra de Alfragide por um
membro da direção da Associação Moinho da Juventude, há décadas
referência de mediação social. Este diz que foi com outras pessoas à
esquadra para tentar perceber o que se passara pouco antes no bairro,
onde um homem fora detido por, alegadamente, atirar uma pedra a uma
viatura policial, tendo na sequência sido disparadas balas de borracha.
Queixa-se de, à chegada, o grupo ter sido agredido e insultado e
igualmente alvo de balas de borracha. Detidos e acusados de resistência e
coação a funcionário, passaram noite na esquadra, apresentando no dia
seguinte queixa por tortura no MP.
Publicada a 10, a reportagem dá
também voz ao homem acusado de apedrejar o carro. Este nega: estava na
rua, foi agredido sem motivo e, ante protestos dos moradores, a polícia
disparou - atingindo por três vezes uma funcionária do Moinho da
Juventude na varanda da sua casa (a qual mostra os ferimentos ao
jornal). Confrontada com estas versões, a esquadra remete para a Direção
da PSP, que se resguarda nos inquéritos entretanto desencadeados: um
interno e outro da Inspeção-Geral da Administração Interna.
É
tarde para resguardos, porém. Logo após os acontecimentos a PSP, pela
voz do "subcomissário Abreu do Comando Metropolitano de Lisboa",
certificava à Lusa que a esquadra de Alfragide fora alvo de "uma
tentativa de invasão por um grupo da Cova da Moura". Situando o início
do ocorrido - o alegado apedrejamento do carro - às 14 horas, admitia
"um tiro de shotgun para o ar para dispersar" e um outro quando "os
restantes jovens tentaram invadir a esquadra." Pouco depois, informado
pelo Público da existência de ferimentos numa mulher, Abreu admitia mais
disparos e menos certezas: "A PSP não confirma nem desmente que possa
ter ocorrido esse incidente, mas vamos apurar e no final da tarde
teremos uma resposta mais consolidada."
Não é possível, nesta
altura, saber a verdade dos factos - se algum dia vai ser. Mas podemos, e
devemos, concluir várias coisas sobre a PSP. Que veicula para os media
versões instantâneas, autojustificativas e incendiárias para depois,
confrontada, admitir que não sabe o que se passou; que admite disparar
mas não sabe quantos tiros nem se feriu alguém, quanto mais explicar
porquê. Numa polícia com esta cultura, com tais graus de
irresponsabilidade e desprezo pela verdade, estranho será não haver
agentes que acham que podem dizer e fazer tudo. Ser rufias, violentos,
racistas, até homicidas - por que não, afinal? Como estranho, tão
estranho e triste, é que assim seja há tanto tempo, e que tão pouca
gente se escandalize - mas, lá está: fosse diferente a exigência e não
seria esta a polícia.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
13/02/15
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