HOJE NO
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Ensino superior.
Há 20 anos que as mulheres
dominam a universidade
Há duas décadas que os homens estão em desvantagem no ensino superior. Este ano há menos 26 mil alunos que alunas em universidades e politécnicos. A presença é mais forte mas não traz igualdade
1985
foi o ano da viragem. Em Junho, Mário Soares, então primeiro-ministro,
assina em Lisboa o tratado de adesão de Portugal à então chamada
Comunidade Económica e Europeia (CEE) e o país começa a escrever um novo
capítulo da sua história.
No final desse Verão, 51 102 caloiros dão os
primeiros passos no ensino superior, ao mesmo tempo que se inscrevem 51
043 alunas em faculdades e politécnicos. A diferença foi de 59 lugares,
vantagem para os rapazes. Foi há 20 anos e foi também a última vez que
essa vantagem existiu. As mulheres começaram nesse momento a virar a sua
página.
.
Na década de 50 começou a preparar-se o caminho para uma participação
a sério das mulheres no sistema de ensino básico em Portugal. Vinte
anos mais tarde, a democratização da escola pública dá os primeiros
passos no secundário, e é por mera consequência das decisões políticas
anteriores que, em meados dos anos 80, as mulheres começam a reclamar
verdadeiramente o seu lugar nos bancos das faculdades. Quando chegam ao
ensino superior, depressa passam a ser mais que os homens e, regra
geral, são melhores - destacam-se pelos bons resultados alcançados no
final de cada semestre. "A partir do momento em que há um acesso
paritário ao ensino, as mulheres têm sempre mais sucesso educativo",
conta o historiador Paulo Guinote, especialista em educação.
Esse "sucesso" começa a ser cimentado nos anos anteriores. Qual
ironia do destino, para que isso fosse possível, refere Natália Alves,
muito contribui a discriminação positiva que o sistema de ensino acabou
por fazer das raparigas - as mesmas a quem anos antes a sociedade não
reconhecia valor para sair de casa e passar anos a estudar. "As meninas
desenvolvem competências sociais que são mais valorizadas pela escola",
explica a socióloga do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.
São mais calmas, mais avessas à contestação e por isso são também menos
susceptíveis de esbarrar em problemas de indisciplina escolar. "As
mulheres adequam-se melhor à organização de massas baseada na disciplina
e no conformismo", concretiza Paulo Guinote.
Mas o facto de terem conquistado o direito a estudar, como os rapazes
já faziam, não lhes tirou de cima o peso do preconceito.
"Tradicionalmente a mulher não era escolarizada e quando por fim chega à
escola é-lhe exigido um esforço acrescido", diz o historiador. No fundo
tinham de remar com duas vezes mais força para provar que chegavam onde
os rapazes chegavam.
A ideia era que "à partida aquele esforço não teria retorno". O
percurso já estava definido: nascer, aprender a cuidar da casa e educar
convenientemente os filhos, ser boa mulher e fazer disso o seu papel de
vida. Havia que provar o contrário e, com a nova oportunidade que
receberam, as mulheres passaram a ocupar os lugares de destaque nos
rankings de avaliação das suas escolas.
A inversão de números dá-se precisamente em 1986 (ver gráfico ao
lado). Na mesma altura, uma outra decisão política ajuda a levar as
estudantes para o ensino superior. "A partir da década de 80 temos um
forte processo de privatização do ensino em Portugal", refere Natália
Alves. De 81 582 estudantes do ensino superior em 1978, Portugal passa
para os 102 145 em 1985 - sete anos e 20 500 estudantes universitários a
mais, o Estado começa a não conseguir dar resposta à procura crescente
de licenciaturas. A par do aparecimento das instituições privadas,
prolifera nesses anos a inauguração de institutos politécnicos em novas e
mais isoladas zonas do país. "Muitas raparigas viviam com um garrote de
expectativas porque teriam de estudar fora das suas cidades", lembra a
socióloga Natália Alves. A universidade era longe de casa - o que tirava
"controlo" aos pais - e estudar era caro.
Em suma: melhor perfil para aquilo que a escola procura e a
capacidade de trabalhar o dobro para alcançar bons resultados - dois
argumentos que explicam o porquê de as mulheres terem há 20 anos uma
presença em maior número nas instituições de ensino superior. E os
homens, por onde andaram?
Os homens desistiram, em parte, dessa formação superior. Em primeiro
lugar, quando lá chegam estão menos preparados (porque não remaram tanto
como as colegas). Em segundo lugar, porque percebem que, chegando às
empresas, são privilegiados.
"O mercado de trabalho continua a ser muito
discriminatório para as mulheres", diz Natália Alves. "Essa
desigualdade salarial faz com que as mulheres invistam mais na educação
para terem o retorno que o homem tem", acrescenta Paulo Guinote". A eles
basta-lhes a licenciatura para receberem tanto como elas recebem com
mestrado.
* Portugal, um país machista que não honra as mulheres que tem.
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