26/02/2015

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ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA

Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé
para ver quem é,
enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas 
e correr pelos interstícios das pedras, 
pressuroso e vivo como vermelhas minhocas
despertas;
enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãos de pais e mães,
andarem acossados pelas ruas
como matilhas de cães;
enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto
rasgado pelo grito da sereia estridente;
enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as traves das suas casas;
enquanto tudo isso acontecer, e o mais que se não diz por ser verdade,
enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
O poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:



António Gedeão, 
Linhas de Força


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