HOJE NO
"i"
Crime em família.
Empresas de fachada, uma burla
de 7 milhões e fugas pelo telhado
Ex-gerente de antiga farmácia do Colombo, que esteve no centro de notícias do i, é suspeito de tentativas de burla de 60 milhões
A
sobrevivência de uma farmácia atolada em dívidas foi o rastilho para a
detenção de dois homens: um pai, professor universitário, com obra
publicada na área das ciências económicas, e um filho, ex-funcionário
bancário desempregado. A captura teve direito a um momento improvável
nas operações de busca relacionadas com o crime económico-financeiro: ao
aperceber-se de que iria ser detido, o filho ter-se-á dirigido ao sótão
de casa, na margem sul do Tejo, trepado para o topo do edifício e
saltado de telhado em telhado. A detenção viria a ocorrer em Lisboa.
Apesar da circunstância da fuga, das suspeitas de associação
criminosa, burla qualificada, fraude fiscal qualificada e branqueamento
de capitais, e de pai e filho se terem remetido ao silêncio durante o
interrogatório, o juiz do Tribunal de Instrução Criminal determinou em
Dezembro que ficassem em liberdade, sujeitos a termo de identidade e
residência.
O i divulgou em Outubro de 2013 a história que esteve na origem da
investigação: José Poças Rascão (o pai) era sócio--gerente de duas
farmácias que viriam a ser declaradas insolventes. Como uma delas, a
Findor, antiga farmácia do Centro Comercial Colombo, estava afogada em
dívidas, com atrasos nos pagamentos a fornecedores e nas rendas, o
gerente ter-se-á servido de outra farmácia no norte do país – a Farmácia
Ruão, em Paredes – para conseguir que a primeira sobrevivesse e tivesse
stock de medicamentos. José Rascão era ainda suspeito de ter contraído
créditos junto de entidades bancárias que não tencionava pagar e, pelo
menos num dos casos, com recurso a assinaturas falsificadas de uma sócia
da Farmácia Ruão.
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Em Dezembro, o pai, de 68 anos, e o filho, de 45,
acabaram detidos por esquemas semelhantes. São suspeitos de terem
falsificado documentos e criado empresas de fachada no ramo da
actividade farmacêutica para poderem contrair empréstimos que nunca
pagariam, lesando dois bancos e uma instituição financeira em 7 milhões
de euros.
E a burla só não é de um valor mais avultado porque nem todos os
bancos aceitaram ceder crédito. As tentativas, junto de agências
bancárias da Grande Lisboa e do norte do país, ascendem aos 60 milhões
de euros.
José Poças Rascão e o filho aproveitar--se-iam da actividade
farmacêutica como pretexto para celebrarem contratos com as instituições
bancárias, suportados em documentação que não era verdadeira, chegando
mesmo ao ponto de forjar documentos de outras instituições de crédito.
O esquema, que está a ser investigado no DIAP de Lisboa e pela
Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal, terá sido iniciado em 2009.
Inicialmente, eram pai e filho que davam a cara pelos pedidos de
crédito. A certa altura, alteraram o método, passando a recrutar
testas-de--ferro que aliciariam com contrapartidas económicas de um
valor insignificante, muitas vezes com a promessa de que seriam
contratados para trabalhar nas farmácias.
A PJ de Setúbal tem indícios de que os dois arguidos detidos no
âmbito da Operação Pharma nunca terão tido intenção de pagar os
empréstimos que contraíam – o que terá provocado uma bola de neve:
quando aparecia um buraco, os dois homens arranjavam maneira de pedirem
um novo crédito para o taparem, gerando outro.
Num só caso, duas
instituições bancárias terão saído lesadas em mais de 5 mil milhões de
euros. A dupla celebrara um contrato de factoring, através do qual cedia
a um banco os créditos que tinha noutro banco. Quando o banco A se
dirige ao banco B para cobrar as facturas que os clientes lhes terão
emitido, é informado de que, afinal, elas não existem ou não são
verdadeiras.
Os dois arguidos são ainda suspeitos de fraude fiscal – embora os
rendimentos possam ser ilícitos, teriam de ser tributados – e de
branqueamento de capitais. Os indícios recolhidos pelos investigadores
que, ao que o i averiguou, já têm a análise bancária praticamente
concluída, apontam para a existência de dezenas e dezenas de contas em
bancos portugueses, num circuito complexo que teria como fim dissimular a
origem dos rendimentos e a sua trajectória. Há ainda a suspeita de
usurpação de uma entidade sediada fora do espaço europeu para,
alegadamente, fazer sair parte do dinheiro do país.
O elemento mais velho da dupla é professor na Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal.
* As burlas com farmácias ombreiam com as dos bancos, dos submarinos e das sucatas. Mas a notícia também tem graça quando refere um dos burlões armado em saltitão a imitar o "Zé do Telhado".
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