27/11/2014

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HOJE NO
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Banco de Portugal apanha mais banqueiros e 
multa-os em três milhões de euros

Outro banco, outra história pouco clara, os ingredientes de sempre: sociedades offshore, swaps, perdas, ocultação, garantias do Estado, contabilidades divergentes, auditorias inconclusivas, supervisão insuficiente, tribunal

O Banco de Portugal condenou o Banco Finantia, o seu actual presidente, António Guerreiro, e mais seis arguidos a coimas num valor superior a 3 milhões de euros depois de instaurados processos de contra-ordenação pelas “práticas dolosas” de falsificação de contabilidade, inobservância de regras contabilísticas e prestação de informação falsa. 
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ANTÓNIO GUERREIRO

A decisão do supervisor, de 13 de Maio de 2014, foi impugnada por todos os acusados – além do Banco Finantia e do seu presidente, António Guerreiro, a Finantipar SGPS e os administradores Luísa Antas, Pedro Santos, Eduardo Costa, Rui Guerra e Ramiro Raimundo –, e está agora a ser julgada em primeira instância, no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém. 

O caso tem contornos que misturam um pouco daquilo que envolve outros processos que se tornaram conhecidos do público, como o BCP ou o BPP, uma vez que implica sociedades offshore, ocultação de perdas e a quase insolvência de uma instituição bancária que em 2008 obteve uma garantia do governo Sócrates, no valor de 100 milhões de euros.  
A offshore O objecto do processo é uma sociedade do Banco Finantia e Finantipar, a WWI – World Wide Instruments, “constituída para parquear ilicitamente fora da sua contabilidade determinados investimentos financeiros de altíssimo risco num momento histórico de 2007/2008, em que o mercado atravessa uma crise, com repercussão na valorização destes produtos e necessidade de reconhecimento de perdas associadas à desvalorização”, afirma o Banco de Portugal no relatório de acusação. 
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LUÍSA ANTAS
E vai mais longe: “O Banco Finantia não se terá limitado a transferir a titularidade de investimentos para a sociedade, constituiu contratos simétricos  dos contratos celebrados com as respectivas contrapartes externas para não reflectir os riscos na contabilidade.”
Por último, continua a autoridade de supervisão bancária, “os arguidos responderam falsamente ao Banco de Portugal e sempre de forma consistente com estratégia de ocultação”, fazendo referência ao número “três vezes”. 
O regulador faz ainda questão de sublinhar que este processo “não é sobre os produtos financeiros ocultados”, nem sobre “o modelo de valorização dos mesmos”, deixando claro que tudo isto poderia e pode ser posto em causa. Este processo em concreto não é “tão-pouco sobre o parecer emitido pelo Banco de Portugal para efeitos de concessão de garantia pessoal do Estado português ao Banco Finantia, que constitui um processo autónomo e distinto, com pressupostos e prazos não compagináveis com a discussão da valorização dos produtos estruturados”. 
BdP nega garantia em 2012 É difícil saber qual foi o ponto mais baixo da instituição, mas, em tribunal, a técnica do Banco de Portugal Cláudia Veiga afirmou – a propósito das contas relativas a 2008, certificadas pela PriceWaterhouseCoopers em 2009 – que “o Finantia entrou em ruptura de liquidez”. 
O que se sabe também é que em 2012 haveria ainda informação pouco clara, pelo menos para o Banco de Portugal. Em Maio desse ano o Banco Finantia pediu nova garantia ao Estado e na sequência desse pedido tem uma reunião com elementos da troika. O pedido é recusado. O BdP diz que não há condições para conceder essa garantia e pede uma avaliação da carteira de credit default swaps  CDS) da instituição, que acaba por retirar o pedido. 
Ainda assim, e porque tem dúvidas quanto a algumas das conclusões apresentadas pela PwC, considera essencial, e determina que seja feita uma auditoria ao Banco Finantia por uma entidade independente. Essa pretensão viria a ser negada pelo próprio Banco de Portugal, superiormente, por César Brito, de acordo com Cláudia Veiga, sem qualquer justificação. A técnica admite que tenham sido “tomados outros dados em consideração” e que “tenham existido divergências quanto à valorização e instrumentos”. No entanto, se se tratava de uma zona cinzenta, este seria mais um motivo para uma auditoria independente, que assim desempataria opiniões, consideram os peritos. 
Esta conversa vinha a propósito dos produtos estruturados em que o Banco Finantia investiu, os tais sobre os quais este processo “não é”, como diz o Banco de Portugal, e as perdas geradas, questões essenciais para compreender aquilo de que os arguidos são acusados e a existência da offshore WWI. 
Arguidos querem processo nulo 
Os auditores do Banco Finantia, a PriceWaterhouseCoopers, dizem desconhecer os factos. Os arguidos dizem que as contas das empresas são auditadas e que o Banco de Portugal desconsiderou isso. É por este motivo que querem que o processo seja considerado nulo e volte à autoridade administrativa. Além do mais, consideram que não foi equitativo nem justo e que as coimas aplicadas não têm uma graduação. 
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RAMIRO RAIMUNDO
António Guerreiro diz que “não tem conhecimento aprofundado dos investimentos e nega ter acompanhado a evolução das margens de cada produto e que lhe seja imputada a responsabilidade de falsas informações”. 
O Banco de Portugal não se compadece e, sobre o presidente do Banco Finantia, diz que “havia um mecanismo de ocultação de activos no qual António Guerreiro tomou parte todo o tempo”. 
António Guerreiro é acusado da prática, como autor, a título doloso, de duas contra-ordenações de falsificação de contabilidade e inobservância de regras contabilísticas, determinadas por lei ou BdP, com prejuízo grave para o conhecimento da situação patrimonial e financeira das entidades em causa e três contra--ordenações, em três circunstâncias distintas, de falsas informações ao BdP. 
A Finantipar e o Banco Finantia são acusados de não ter consolidado nas suas contas a WWI e de não ter revelado activos e passivos e resultados da empresa entre Setembro de 2007 e final de 2008, designadamente obrigações e operações estruturadas, como swaps. O Banco Finantia chegou a afirmar ao BdP que não tinha exposição de crédito a entidades domiciliadas em offshores, quando a WWI estava nas ilhas Cayman e era beneficiária de um empréstimo e de linhas de crédito. Em reunião com o BdP, no início de 2009, os responsáveis do Finantia justificaram a não informação “por os montantes [42 milhões] não serem significativos]”.

* VAMPIRAGEM


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