Ajustes por medida
Não me refiro propriamente a alfaiataria,
embora haja sempre um paralelismo à arte de ajustar, nem mesmo ao
pronto-a-vestir, na medida que uma carapuça serve a todos.
.
.
Esta semana foi proferida uma decisão judicial inédita
que condenou por crime de prevaricação por titular de cargo político uma
ex-ministra da Educação, um ex-secretário-geral do Ministério da
Educação e um advogado, irmão de um ex-ministro.
Independentemente
do mérito ou não do acordão, não me pronuncio quanto às pessoas ou à
prova de facto, até porque o caso ainda não transitou em julgado, já há
recursos anunciados e a presunção de inocência tem de prevalecer,
sempre.
Mas sobre o que já foi amplamente divulgado na
comunicação social, e partindo do concreto para o abstracto, as questões
sucedem-se no que concerne a afinidades e relações pessoais, políticas e
partidárias instituídas na base de uma gestão pública que não se
pretende amoral.
Haverá resquícios do que se diz à boca pequena,
mas que nunca se assume, raramente se denuncia e dificilmente se prova?
Certo é que há uma ilação premente a tirar pelos portugueses, e
detentores de cargos públicos em particular, sobre a qual se terá de ser
consequente em nome da transparência: a incongruente gestão da coisa
pública - de governos a autarquias, do sector empresarial do Estado aos
institutos públicos - por meio de ajustes directos.
Quando a
esmagadora maioria de obras feitas pelo Estado e os pareceres,
consultorias ou auditorias contratualizados, é por ajuste directo é caso
para dizer que os concursos públicos, mesmo se ajustados, fazem da
regra excepção. E é aqui que reside o busílis da questão: as propaladas
"gorduras do Estado" que todos vociferam à distância parecem ‘fillet
mignon' à medida da proximidade. Nem o novo mapa judiciário escapa aos
ajustes.
Obviamente que a gestão corrente nem sempre se compadece
com
concursos públicos burocráticos, morosos e desprovidos da confiança
indispensável entre partes para a execução do que é a mera persecução de
objectivos de contornos políticos ou ideológicos, pelo que o ajuste
directo é também um meio incontornável. Mas a justificação prévia pela
razoabilidade da externalização em detrimento de serviços internos, a
obrigação na consulta ao mercado para um mínimo de propostas a fim de
minimizar a sobrevalorização ou o imperativo por um clausurado estanque
eficaz na proteção e ressarcimento do Estado no incumprimento é
simplesmente imperativo. A transparência nos ajustes directos não pode
ser opaca.
Como há quem não entenda os ataques à Justiça, já não
por haver uma para ricos e outra para pobres, e sim por haver uma à
medida de poderosos e políticos. Mas esta politização na interpretação
das sentenças, e nas suas "causas", prenuncia outros ajustes, de
executivo em executivo, de partido para partido.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
19/09/14
.
Sem comentários:
Enviar um comentário