HOJE NO
"DIÁRIO ECONÓMICO"
"DIÁRIO ECONÓMICO"
Guia para não comprar “gato por lebre”
ao balcão do seu banco
Em 2014, dizer “o meu gestor disse” já não é
argumento. Nos últimos anos a lei deu-lhe vários direitos no que toca à
informação pré-contratual. Cabe-lhe a si saber fazer uso deles.
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O meu gestor disse que era como um depósito a prazo". "O
meu gestor disse que o capital estava seguro". "O meu gestor disse que
não havia risco absolutamente nenhum". "O meu gestor disse que eu ia
ganhar 8%". "O meu gestor disse que eu podia retirar o dinheiro em
qualquer altura". Primeiro foram os clientes do BPP. Depois os do BPN. E
agora são os clientes do BES. A verdade é que, passados seis anos, as
frases continuam, invariavelmente, a começar por "o meu gestor disse".
Pois bem, talvez esteja então na altura de perceber que aquilo que o seu
gestor diz é para escrever, literalmente.
A legislação criada nos últimos anos para proteger os clientes
bancários é, aliás, vasta, e assenta numa premissa essencial: a
prestação de informação pré-contratual. Poderá dizer que é mesmo
demasiada informação, ou que tem uma linguagem demasiado difícil. Nesse
caso peça ajuda a alguém da sua confiança para ler o documento. Poderá
também argumentar que o banco simplesmente não lhe forneceu os
documentos devidos. Nesse caso exija-os. E se não os disponibilizar,
apresente queixa. E acima de tudo não invista antes de ler atentamente
as condições do produto, em formato padronizado e assinadas por alguém
responsável. E se não perceber devidamente as condições do produto não
invista também. Não é demais repetir: não invista, nunca, em produtos
que não entende na totalidade. Na hora de defender os seus interesses
não deixe nas mãos de terceiros as decisões pelas quais só você é
responsável e será responsabilizado.
Antes de mais, é importante perceber a relação de interesses entre
gestor e cliente. Os gestores recebem incentivos para venderem
determinados produtos aos seus clientes, numa clara relação de conflito
de interesses. O banco, ou seja, a sua entidade patronal, dá-lhes
indicações para venderem um determinado produto, num determinado
momento, ficando os gestores sujeitos ao cumprimento de objectivos,
sobre os quais são depois remunerados. Considerar com isto que os
gestores enganam deliberadamente os seus clientes será excessivo, mas
este contexto favorece uma dinâmica onde o gestor não procura o produto
mais adequado para o investidor, mas sim o mais adequado ao cumprimento
dos seus objectivos, ou dos objectivos do banco.
Em 2012, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários chegou
inclusive a equacionar a criação de uma cláusula para proibir este
sistema de incentivos na comercialização de produtos financeiros
complexos. O artigo fazia parte do documento de consulta pública mas
acabou por ser retirado da legislação, com o regulador a ceder aos
argumentos das instituições financeiras. Nomeadamente que esta proibição
iria dificultar o recrutamento dos melhores colaboradores para a venda
destes produtos. Mas apesar das potenciais lacunas da legislação
aplicável, ou mesma das actividades de supervisão em causa, regra geral
os investidores e clientes bancários não fazem o devido uso dos direitos
que lhes foram conferidos, nomeadamente o direito à informação
pré-contratual.
Seja exigente com o seu banco
Sejam investimentos financeiros ou produtos bancários, a instituição
está sempre obrigada a dar-lhe uma ficha de informação ou um prospecto
do produto. Ou seja, tem de existir sempre informação escrita sobre as
características e riscos dos produtos e esse documento tem sempre de ser
assinado pelo cliente, atestando que lhe foi dada a informação e que a
mesma foi devidamente compreendida. Desconfie de um documento com
condições escritas à mão, a lápis, com escassez de informação, cujas
condições não encontrem paralelo no que lhe foi dito e, principalmente,
desconfie quando lhe disserem que não é possível a entrega do documento.
Não aceite que lhe digam que lhe dão os papéis mais tarde, e que
assinar é só um pró-forma: o papel assinado e com o carimbo oficial do
banco vale mais do que qualquer promessa verbal. No caso de um
investimento financeiro, a instituição está ainda obrigada a fazer-lhe
um teste de adequação do produto, ou seja, a definir o seu perfil de
risco.
Mas não basta que o banco lhe forneça toda a informação, é necessário
que a consiga compreender, com destaque para os riscos que estão
associados a cada produto. E aí há que fazer o trabalho de casa. Não
será estranho entrar no banco a pedir um depósito a prazo e
oferecerem-lhe obrigações, geralmente do próprio banco. Dizem-lhe que
tem capital garantido, o que é verdade desde que seja na maturidade. E
se precisar de vender antes? Nesse caso fica sujeito à volatilidade do
mercado, que é como quem diz terá de vender ao preço que alguém estiver
disposto a pagar. Raramente o gestor fala dos riscos do produto quando o
está a tentar vender, foca-se nas garantias de capital e nas taxas de
juro.
No caso de uma obrigação dificilmente lhe vai falar do risco do
emitente e, principalmente, na hierarquia de credores.
Recorde-se que o Mecanismo Único de Resolução entra em vigor a 1 de
Janeiro de 2015, uma medida que será, na prática, bastante semelhante à
solução encontrada para o BES, nomeadamente no que toca às perdas
imputáveis aos accionistas e obrigacionistas do banco. Ou seja, se o
banco tiver uma obrigação onde paga 4% e outra com uma taxa de 6%, é bem
provável que a primeira seja dívida sénior e a segunda subordinada. Ou
seja, em caso de falência do banco, os obrigacionistas subordinados
sofrem perdas antes da dívida sénior.
Por isso a primeira paga mais, para justificar o risco acrescido para o investidor.
A 16 de Julho de 2008, e precisamente a respeito de produtos que pagavam taxas generosas - no caso oferecidos pelo BES,
um dos utilizadores de um fórum na internet escrevia o seguinte: "Numa
convenção onde estive recentemente, um dos oradores foi precisamente o
Dr. Ricardo Salgado. Retive esta frase: ‘Pensem muito bem antes de meter
o vosso dinheiro em bancos que oferecem taxas superiores. É um dos
melhores indicadores da grave falta de liquidez que atravessam. Quanto
maior a taxa, maior o risco'". Quem avisa, amigo é.
* Os avisos são de MARTA MARQUES SILVA, não os esqueça.
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