Tal pai, tal filho
Uma análise da OCDE, cruzando os resultados escolares dos alunos de
diferentes países no estudo comparativo PISA relativos a 2012 com as
profissões dos pais, mostra que em Portugal, mais do que noutros países,
são os filhos de pais mais qualificados que têm melhores resultados.
Esta constatação não surpreende, estando em linha com estudos
anteriores.
Algumas notas. Desde há muito que os estudos,
designadamente no âmbito da sociologia da educação, mostram uma relação
forte entre a carreira escolar e o estatuto profissional atingido pelos
filhos e o nível de escolaridade e estatuto social e económico dos pais.
Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os
níveis de desigualdade. Em Portugal verifica-se um dos maiores fossos
entre ricos e pobres da União Europeia pelo que a relação entre o nível escolar e salarial dos pais e o dos filhos é ainda mais forte.
O relatório da OCDE vem, mais uma vez, confirmar a realidade que
conhecemos, a incapacidade da escola de promover mobilidade social, ou
seja, o nível de escolaridade dos pais marca de forma excessiva o nível
atingido pelos filhos. A situação sempre assim foi, ainda me lembro de
quando era pequeno, haver quem se admirasse dos meus pais, um
serralheiro e uma costureira, terem decidido que eu continuaria a
estudar.
Acresce que as circunstâncias conjunturais,
provavelmente estruturais, que atravessamos permitem considerar a
existência de uma mobilidade social descendente ao produzir uma classe
de "novos pobres" que tendo anteriormente ascendido a patamares
socioeconómicos médios, sentem agora um processo significativo de
degradação das suas condições e qualidade de vida. A este contexto,
junta-se uma política educativa que parece ter como desígnio a promoção
de uma espécie de darwinismo socioeducativo assente em sucessivos
processos de selecção e no encaminhamento demasiado cedo para vias
alternativas à formação escolar mais habitual o que, evidentemente, não
garante equidade nas oportunidades de educação e qualificação
comprometendo, assim, a mobilidade social ascendente.
Deste
quadro, resulta uma complexa situação que poderemos de forma simplista
colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a desigualdade
social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na
promoção da mobilidade social, ou seja, a escola que deveria ser parte
da solução, na prática, corre o risco de continuar a ser parte do
problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser
feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante equidade
nas oportunidades.
Do meu ponto de vista, muitas vezes afirmado, a
questão central é a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá
assentar em três eixos fundamentais, a qualidade considerando
resultados, processos e gestão optimizada de recursos; segundo eixo,
qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de
exclusão e a desigualdade de entrada o que exige a existência de apoios
adequados e competentes para apoio ao trabalho de alunos e professores;
e, terceiro eixo, diversificação dos percursos de educação e formação.
Esta diversificação deve passar, e temos registado progressos nesta
área, por uma oferta bastante mais variada ao nível do secundário, não
antes, possibilitando a muitos jovens completar este nível de ensino com
competências profissionais, isto é que é fundamental. Também ao nível
do ensino superior, com o trabalho no âmbito do ensino politécnico se
criam condições para processos de qualificação mais curtos e mais
diversificados, mas sem o recurso à bizarra "meia licenciatura" quando
já existem os Cursos de Especialização Tecnológica.
No actual
cenário, quando se entende e espera que a educação e qualificação possam
ter um papel decisivo na minimização de assimetrias, as políticas, os
custos e a dificuldade de acesso a uma escola de qualidade podem, pelo
contrário, alimentar essas assimetrias e manter a narrativa, "tal pai,
tal filho", pai letrado, filho letrado e pai pouco letrado, filho pouco
letrado.
Assim sendo, urge a definição de uma política educativa
para o médio prazo, no mínimo, estabelecida com base no interesse de
todos, com definição clara de metas, recursos, processos e avaliação.
A
continuar na deriva a que nas últimas décadas nos entregamos, daqui a
algum tempo a OCDE virá, provavelmente, dizer exactamente o mesmo.
O autor é professor universitário no ISPA - Instituto Universitário
IN "PÚBLICO"
24/02/14
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