Masoquismo, milagres
e delírios
Num grau superior de delírio estará a afirmação da
ministra das Finanças sobre a exequibilidade de Portugal sair do actual
resgate financeiro à semelhança da Irlanda, sem qualquer apoio ao
financiamento no mercado.
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Nas últimas semanas tem-se verificado
quer a entrada no discurso político de expressões curiosas como seja o
milagre económico e o masoquismo dos portugueses, quer a produção de
afirmações que só podem ser explicadas por estados, desejavelmente
transitórios, de delírio.
O termo masoquismo foi proferido pelo Presidente da
República (PR) quando se referiu a todos aqueles que consideram que a
nossa dívida pública não é sustentável num quadro económico de
estagnação ou de fraco crescimento económico. Duas razões podem
justificar a expressão usada pelo PR, economista de formação. Por um
lado, pode ter havido um simples lapso de vocabulário. Por outro, o PR e
os seus assessores económicos podem desconhecer que existem modelos
económicos que permitem prever, com reduzida incerteza, a evolução a
prazo da dívida pública perante hipóteses alternativas do desempenho da
economia, incluindo as adoptadas pelo Governo.
Donde,
a chave para um processo de desaceleração da dívida pública radica num
crescimento mais expressivo da economia e, claro, na redução das
necessidades de financiamento, seja por via do défice público seja pelas
operações não orçamentadas, mas que todos temos pago (caso, por
exemplo, do BPN).
Mas talvez o PR apenas tenha
conseguido antecipar o milagre económico identificado pelo ministro da
Economia. Fora a má escolha da palavra, já que a economia é uma ciência
não conduzida por mão divina, o que estaria em causa seria a saída da
recessão. Os indicadores divulgados pelo INE são positivos, claro, mas
devem ser interpretados com toda a prudência. Por um lado, referem-se a
um período com forte contributo do sector do turismo e das exportações
em combustíveis que pode não ser sustentável. Por outro, ignoram os
dados relativos a um abrandamento do crescimento económico da Zona Euro e
ao próprio efeito recessivo do Orçamento do Estado para 2014.
Mas
pensando bem, poderemos ter um milagre no próprio OE: não se consegue
evitar um corte retroactivo de 100 M€ nas pensões de sobrevivência, mas
aparece uma folga orçamental superior ao dobro daquele valor para novas
escolas com contrato de associação. Não teria sido preferível, em nome
da boa gestão dos dinheiros públicos, avaliar as existentes e a sua
fundamentação?
Mas, infelizmente, também temos tido afirmações que ultrapassam os limites da racionalidade e da honestidade intelectual.
Temos
o ministro da Saúde a afirmar que a situação financeira do sector está
controlada quando o valor da facturação em dívida tem continuado a
aumentar; a comprovação de que uma das maiores operações de
desorçamentação realizadas em Portugal foi um insucesso surgirá quando o
governo tiver de reclassificar os hospitais com estatuto empresarial no
perímetro das administrações públicas.
Num grau
superior de delírio estará a afirmação da ministra das Finanças sobre a
exequibilidade de Portugal sair do actual resgate financeiro à
semelhança da Irlanda, sem qualquer apoio ao financiamento no mercado.
Ora, apenas não teremos um segundo resgate pelo facto de a Troika
necessitar de isolar o insucesso grego. Mas teremos um qualquer programa
cautelar que exigirá a continuidade da austeridade.
Nada há a acrescentar, são os actuais actores políticos portugueses.
Professora universitária (ISEG)
e investigadora. Economista.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
19/11/13
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