HOJE NO
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Malala, “ícone global”, recebe
Prémio Sakharov em Estrasburgo
Mais de duas dezenas de antigos laureados compareceram à cerimónia, em que o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, lhe chamou "ícone global"
Quando
o júri do Prémio Sakharov para a Liberdade de Expressão se reuniu para
escolher o laureado deste ano, a decisão foi unânime: Malala Yousafzai,
atirada para o estrelato internacional há pouco mais de um ano depois de
ter sido atacada pelos talibãs no vale do Swat, Noroeste do Paquistão,
era uma escolha óbvia. Facto que Martin Schulz, presidente do Parlamento
Europeu, escolheu sublinhar ontem na cerimónia de entrega do prémio à
jovem paquistanesa, agora com 16 anos, em Estrasburgo.
Foi uma das entregas mais concorridas de sempre, com centenas de
pessoas a vaguear pelos corredores à espera da oportunidade de avistar a
jovem que foi baleada na cabeça pelos talibãs a 9 de Outubro de 2012,
quando regressava da escola, por defender publicamente o direito das
raparigas à educação.
Como noutras entrevistas e discursos, Malala escolheu começar por
agradecer a Deus, o mesmo Deus invocado pela milícia fundamentalista
para a atacar. Esse facto era sublinhado, horas antes, por Taslima
Nasreen, feminista secular laureada com o mesmo prémio há 19 anos, que
pareceu ter sido a única céptica entre os presentes.
Nasreen queria encontrar-se com Malala para lhe falar sobre
secularismo e o perigo de defender publicamente uma religião que oprime
as mulheres numa altura em que a jovem que sonha ser política se tornou
famosa nos quatro cantos do mundo. Mas nem Nasreen nem os jornalistas
tiveram hipótese de conversar com a paquistanesa, que entrou à pressa e
saiu a correr, falhando até a conferência de imprensa marcada
antecipadamente para depois da entrega do prémio, no valor de 50 mil
euros.
Aplaudida com entusiasmo pelas poucas dezenas de pessoas que
conseguiram um lugar no plenário (muitas ficaram de pé, à maioria foi
recusada entrada), Malala começou por citar Voltaire - "Posso não
concordar com as vossas opiniões, mas defenderei até à morte o vosso
direito a tê-las" -, dedicando o prémio "aos heróis desconhecidos do
Paquistão" e pedindo depois ao Parlamento Europeu que "olhe para fora da
Europa" e ajude "os 57 milhões de crianças que precisam de nós e que
não querem um iPhone, uma X-Box, uma PlayStation ou chocolates, mas sim
um livro e uma caneta". Os presentes fotografam-na com os seus iPads.
Aniversário
Malala foi o centro das atenções, mas não a única estrela do passeio
Sakharov em Estrasburgo. A concorrida cerimónia coincidiu com os 25 anos
do prémio, criado em honra do cientista e dissidente soviético Andrei
Sakharov.
Ao lado de Nasreen, o dissidente chinês Wei Jingsheng, vencedor do
Sakharov em 1996 e várias vezes nomeado para o Nobel da Paz, falou com
os jornalistas sobre o prémio e a forma como a sua vida mudou com ele.
"Assim que o recebi o governo chinês expulsou-me. Eu queria vir para a
Europa, mas forçaram-me a ir para os Estados Unidos, onde ainda vivo."
Com Nasreen a história repetiu-se: o governo do Bangladesh acusou-a de
insultar o islamismo e expulsou-a para a Índia. Lá seria perseguida, o
que a levou a fugir para a Suécia, onde conseguiu a cidadania, apenas
para acabar por voltar a Nova Deli com garantia de protecção do governo
indiano.
Ao longo da manhã, nos corredores de Estrasburgo, outros laureados
fizeram as delícias de eurodeputados, funcionários e visitantes, a
começar por Guillermo Fariñas, dissidente cubano cujo ar saudável
contrasta com as famosas fotografias que lhe foram tiradas em plena
greve de fome no ano seguinte a ter recebido o Sakharov (2010), quando
ainda estava detido por se opor ao regime cubano. Ao seu lado, Berta
Soler brilhava de branco, em honra do movimento de mulheres que se
manifestam todos os domingos pela libertação de presos políticos,
laureada com o mesmo prémio em 2005. "Fariñas e eu", diria ao i a fundadora do Damas de Blanco numa conversa rápida, "continuamos a ser alvo de repressão. Nada mudou com Raúl Castro".
Entre os mais de 20 laureados que compareceram à entrega do prémio a
Malala contaram-se ainda Xanana Gusmão, actual primeiro-ministro de
Timor-Leste, a quem o PE atribuiu o prémio em 1999, e Christophe
Deloire, a representar os Repórteres sem Fronteiras, grupo laureado em
2005 juntamente com Soler. Em falta estiveram as estrelas maiores do
firmamento Sakharov, Nelson Mandela e Aung San Suu Kyi.
* A dignidade no sofrimento!
.
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