Portugal é um poço de petróleo
O discurso moralista conta com alguns patrícios dentro de portas, mas
neste momento, está já disseminado por toda a Europa: gastámos mais do
que tínhamos, produzimos menos do que devíamos, comprámos mais do que
vendemos. No fundo, a lógica é a mesma para justificar a barbárie do
atavismo do Estado Novo: o país é pobre. É mesmo? Ou há pobres a mais
para tanta riqueza, e essa é que é "a pobreza"?
Politicamente, o país é miserável, isso é certo; como é certo que
tal esteja ligado a uma falta de educação cívica e política típica de
uma certa insularidade auto-celebratória, e de um instinto de defesa
natural de uma jovem democracia; passámos por transformações
inimagináveis para, digamos, um alemão nascido nos anos 50, por exemplo.
A pobreza mediática absoluta em que vivemos - sinal máximo da corrupção
ética de uma certa elite que despreza estrategicamente a imaginação -
conduz à pobreza de espírito profunda, representada serão após serão,
porta atrás porta, café após café, numa omnipresente televisão. Uma
televisão patética e boçal na ficção e no entretenimento, e néscia na
forma como usa a informação para dar crédito às demais javardices.
Permite-se o crescimento de temáticas de forma randomizada, debatem-se
evidências, flagela-se a nação; acho particular graça à forma como quase
todos eles falam de um país como se a ele não pertencessem e não fossem
- enquanto agentes do poder mediático - por ele responsáveis. Depois
deslumbram-se com os independentes, escandalizam-se com os Angolanos e
batem na nação que - fazem de conta - não conhecer.
A maior calamidade político-mediática dos últimos anos tem sido a
forma irresponsável como se trata o papel Estado; a Economia portuguesa
precisa do Estado, e essa, curiosamente, parece ser a única conclusão
transversal ao degredo em que nos metemos; digo-o porque por mais
porrada que assentemos nos funcionários públicos (que, por caso, até são
quem não foge aos impostos neste país, e o verdadeiro porco mealheiro
dos sucessivos ministros das Finanças), ou por mais fel que destilemos
para cima da iniciativa privada, não nos livramos da Geografia: estamos
na ponta do continente, não temos mercado interno e não exploramos
energia - o Estado democrático é a única forma eficaz de regular e
orientar politicamente uma estratégia nacional de convergência para esta
realidade: somos periféricos. Ponto final. E é essa a vulnerabilidade
que nos distingue dos nossos congéneres do Euro: só temos uma fronteira.
Por sinal, das mais antigas da Europa.
Com uma adaptabilidade internacionalmente reconhecida, uma
identidade e coesão culturais em todo o território praticamente
irrepetidas na Europa, um clima e solos abençoados, Portugal é rico. Com
uma zona marítima exclusiva que é a maior da Europa, uma geração de
profissionais abaixo dos 40 anos finalmente qualificados, e uma língua
falada por mais de 240 milhões de pessoas, Portugal é um autêntico poço
de petróleo por refinar. Mas claro, proclamar a pobreza é que interessa;
porque a pobreza por si já desresponsabiliza qualquer medíocre que
saiba propagandear-se com ela.
Pois, então, se o país é pobre, gostava que me dissessem o que
anda meio mundo a fazer atrás dele. Se o país é pobre, o que andam os
chineses a fazer na EDP? Porque se aninha o ministro dos Negócios
Estrangeiros perante Angola? Porque não nos deixam há anos explorar o
nosso mar e a nossa agricultura? A quem convém a humilhante mentira
pública, a narrativa da pobreza e da culpa? Não vos parece tragicamente
normal que um país que vive da especulação mediática se afogue nas
dívidas da realidade?
No petróleo é impossível nadar; mas também não se vai ao fundo.
Em boa verdade, em petróleo ninguém morre afogado. Imersos em petróleo,
não se deriva, por causa da espessura do líquido, mas na verdade também
nunca se consegue chegar à margem. Há que refinar a nação; não tarda nada, não há quem nos valha.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
11/10/13
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