Cavaco Silva
e os masoquistas
Cavaco Silva chamou esta semana masoquistas aos economistas e comentadores que questionam a capacidade do País em pagar os astronómicos juros da dívida pública que temos pela frente. Mas, e o que dizer dos economistas e comentadores que tentam evitar que o debate se faça de maneira informada e transparente?
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Nos últimos dois anos várias
personalidades têm tentado lançar um apagão sobre a delicada questão da
reestruturação da dívida, ora desvalorizando-a, ora diabolizando as
consequências que decorreriam do próprio debate. As razões são variadas e
nem sempre tão bem intencionadas quanto se faz parecer.
Uma das correntes que quer que se faça silêncio em torno
desta questão fá-lo invocando o interesse público. Segundo estes
comentadores, há temas da vida colectiva que só devem ser discutidos
pelas elites, cabendo ao povão tomar conhecimento das magnas decisões
através da folha de impostos ou da carta de despedimento. Trata-se de
uma posição inaceitável que esconde uma espécie de arrogância de classe
por detrás de falsas noções de patriotismo.
Outro
conjunto de comentadores acha que se se sussurrar o termo
"reestruturação" os mercados descrêem, os juros disparam e a bancarrota
abate-se inapelavelmente sobre o País. É um receio que apela ao silêncio
em nome de uma espécie de "superstição de mercado".
Um
terceiro grupo acha que este é um não assunto porque Portugal está a
ter a justa penalização por pecados orçamentais cometidos no passado e
que só o pagamento da dívida e de juros penalizadores nos redime. A
dívida é para pagar, doa a quem doer, custe o que custar e sem
pieguices. Esta apologia do "ai aguenta, aguenta", encerra, ela sim, uma
atitude masoquista com boas doses de puritanismo à mistura.
Por
fim, surgem os optimistas, que acham o debate inútil porque o País tem
hipóteses de crescer sustentadamente no futuro, mesmo num contexto de
políticas restritivas, de tal modo que o serviço da dívida se tornará
gerível.
Cavaco Silva estará certamente entre os
mais bem-intencionados que crêem haver bons sinais que permitirão ao
País ir gerindo o fardo da dívida. Mas nesse caso convém que aproveite a
sua condição de economista e as suas qualidades de pedagogo para
explicar que sinais ou evidências são essas. A dívida pública já
ultrapassa os 150% do PIB e consumirá, dentro de pouco tempo, 4,4% do
PIB em juros. São mais de sete mil milhões de euros por ano, o
equivalente à transferência anual que o Estado faz para o Serviço
Nacional de Saúde.
A menos que a economia ganhe um
fôlego inesperado, estes juros exigirão que os cidadãos paguem o mesmo
nível ou mais impostos a troco de menos serviços públicos e de menos
bem-estar social. Suave ou leve, a dívida pública parece ter de ser
renegociada, nos juros, nos prazos de amortização, no "stock" ou na
combinação destas variáveis. A menos que, como alertou Richard Freeman,
um estudioso das reformas nos países nórdicos durante a década de 1990,
se pretenda ter países "resumidos a instrumentos de pagamento de
dívida".
*Jornalista
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
04/10/13
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