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19/10/13
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Trafulhices
Trafulhice (do dicionário): intrujice, aldrabice, acção por desonestidade.
Exemplo prático: alguém morre e deixa uma pensão de 1000 euros. Desse montante, o cônjuge recebe 60%, ou seja, 600 euros.
Um
dia, um vice-primeiro--ministro e uma ministra de Estado e das
Finanças, ladeados por um ajudante, anunciam que, dada a situação
dramática do país, o sobrevivo passa a receber 54%. “Ou seja, estão a
dizer--me que vou perder 6%”, pensam os viúvos.
Resignados,
aceitam. Pensam novamente: “Vou perder 60 euros.” Preparam-se para
deixar de comprar o remédio para as varizes, o pão-da-avó, as
bolachas--maria, e para só tomarem um café fora cada duas semanas.
Chega a pensão no mês seguinte e lá está a verba. Acham que está certa, mas não está. Na realidade, foram iludidos.
Isto
porque a conta real é a seguinte: o novo montante da pensão, ou seja,
540 euros, é a base sobre a qual devem ser feitas as contas e
significam, de facto, um corte de 10% no rendimento disponível, que
anteriormente era de 600. Se calhar, não é trafulhice, mas simplesmente
ilusionismo.
Baralha e volta a dar, exactamente como na vermelhinha.
Correr na passadeira
Quem
corre em passadeiras sabe perfeitamente que há uma coisa certa: por
mais que se esforce e transpire, não sai do mesmo sítio. É exactamente
isso que está a acontecer aos portugueses.
Correm,
esforçam-se, mas não chegam a lado nenhum. E se há coisa que podemos ter
por garantida é que a situação não se vai alterar, exactamente porque
todo o plano que o governo desenhou está baseado nos pressupostos
errados de somar austeridade à que já existe, juntando ao brutal aumento
de impostos de 2013 o agravamento de mais uns quantos e um pesado corte
de salários e pensões que
tem exactamente o mesmo efeito.
Assim
sendo, torna-se óbvio que o Orçamento que vai a discussão é uma ficção
absoluta, baseada em premissas erradas do lado da receita e da despesa,
com projecções de crescimento irrealistas.
Isto simplesmente porque
mantém rigorosamente a mesma trajectória que Vítor Gaspar seguiu, mas
que acabou por renegar, demitindo--se e desaparecendo de cena.
Num
governo que tem gente inteligente, há então que procurar as razões para
manter um rumo absurdo que nos vai levar a bater de frente numa parede.
A explicação só pode ser uma. A troika está fortemente empenhada em
sair de Portugal sem um fracasso igualzinho ao da Grécia e, por isso,
não aceita a priori alterações ao guião que foi retocado no ano passado e
no anterior, para evitar desastres.
Ao longo do ano, em função da
constatação dos erros de orçamentação que inevitavelmente vão
verificar-se e da probabilidade de algumas medidas serem rejeitadas pelo
Tribunal Constitucional, tanto a troika como o governo terão na mão
argumentos excelentes para justificar um falhanço que não podem aceitar
de antemão.
A ideia de que não houve um fracasso nem cá nem na
Irlanda tem de passar à força, mesmo que as consequências pós-troika
sejam funestas e impliquem uma bancarrota.
Se o edifício cair
seis meses depois, tanto faz. Haverá sempre matéria para justificar o
fracasso com o que entretanto aconteceu, nem que seja pela simples
incapacidade dos indígenas dos Estados em falência.
IN "i"
19/10/13
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