HOJE NO
" PÚBLICO"
Meira Soares demite-se “escandalizado” com ataques “despudorados” do
Estado aos que menos recebem
Presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior diz
que perdeu a confiança no Governo. “A recente notícia daquilo a que já
se chama 'a TSU das viúvas' é uma medida abjecta.”
Meira Soares, que era desde 1995 presidente da Comissão Nacional de
Acesso ao Ensino Superior, pediu a demissão ao Governo. E escreveu uma
carta aos deputados da Assembleia da República em que explica que se
sente escandalizado com a forma como estão a ser tratadas as pessoas
mais desprotegidas da sociedade. “Não me custa absolutamente nada
admitir que, numa situação de emergência, como a actual, o Estado se
veja obrigado a quebrar algumas partes dos seus contratos e não faço
disso um segredo. Escandaliza-me muito, porém, que esse mesmo Estado
ataque de maneira despudorada os que menos recebem, os desempregados e
os doentes.”
Doutorado em Ciências de
Engenharia, exerceu (e exerce) vários cargos em organizações nacionais e
internacionais, na área da avaliação do ensino superior, foi reitor da
Universidade de Lisboa, secretário de Estado do Ensino Superior e membro
da Comissão de Reforma do Sistema Educativo. Depois de se aposentar,
Meira Soares continuava a dirigir a Comissão Nacional de Acesso ao
Ensino Superior sem receber nada por isso.
Agora, na carta que
dirige aos deputados, fala sobretudo da situação dos reformados. “O
actual Governo demonstrou, há mais de um ano, em especial através do
primeiro-ministro, uma propensão para lançar privados contra públicos e
novos contra velhos, manifestando claramente uma aversão aos aposentados
em geral (contribuição extraordinária de solidariedade) e, de entre
estes, aos da função pública.”
E continua: “Não admira, portanto,
que tente levar avante a sua ideia de penalizar estes últimos, através
de uma proposta de legislação, aprovada em Setembro de 2013, que lhes
retira, de um dia para o outro, uma parte considerável das suas pensões,
sem qualquer preocupação com uma transição a que o Estado nos tem
habituado.”
A carta está disponível na página pessoal de Meira
Soares na Internet (http://vmsoares.planetaclix.pt/) e tem como título
“Será mesmo necessário?”.
Nela, o professor catedrático aposentado
não critica especificamente as medidas do ministério que tutela a
Educação, mas diz que o memorando de entendimento “tem trazido a miséria
aos portugueses”.
Também há palavras para quem já esteve no
executivo e deixou de estar: o professor diz que foi a “incompetência”
dos sucessivos governos que levou o país à situação actual.
Contra a "hipocrisia"
“Há,
diz-se sem que seja negado, centenas ou milhares de milhões de euros
que estão perdidos por negligência ou por acções criminosas. Vai
buscar-se dinheiro sempre aos mesmos, ‘confiscando-lhes’ a sua
propriedade, mas não se cuida de o ir buscar a quem o terá subtraído.
Quererá o Governo, em nome do Estado, pedir desculpa aos portugueses
pelo descalabro? E mostrar a sua determinação em corrigir o rumo, sem se
esconder numa putativa reforma do Estado?”
Escandalizado também
porque o Governo “dá a entender que são os reformados e os funcionários
públicos a origem de todos os males”, explica que, enquanto não tiver
respostas para uma série de perguntas, se recusa “a ser conivente com
esta hipocrisia”.
Em declarações ao PÚBLICO, Meira Soares
sintetizou desta forma as razões da sua demissão: não poderia continuar
num cargo de uma comissão que tem de tratar directamente com o Governo,
quando tem tanta “falta de confiança”. Contactado o Ministério da
Educação, o gabinete de comunicação faz saber que não comenta a decisão
de Meira Soares, até porque a carta divulgada não se dirige ao
ministério.
Na carta aos deputados, Meira Soares acrescentou esta semana um post-scriptum:
“A recente notícia daquilo que já se chama 'a TSU das viúvas' é uma
medida abjecta e em nada contribui para me descansar sobre a boa-fé do
Governo. Marcar, com estrela, ou sem estrela, os mais idosos e os mortos
começa a ser demasiadamente preocupante.” Esta sua opinião, nota, não
estava na carta original, porque ela foi escrita antes de se começar a
falar nos cortes das pensões de sobrevivência.
A comissão de
acesso ao ensino superior tem, entre as suas funções, a fixação dos
critérios de selecção e seriação dos candidatos à matrícula e inscrição
no ensino superior. É constituída por dois representantes dos
estabelecimentos de ensino superior universitário público nomeados pelo
Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas; dois representantes
dos estabelecimentos de ensino superior politécnico público nomeados
pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos; e três
representantes dos estabelecimentos de ensino superior particular e
cooperativo nomeados por despacho do ministro da tutela do ensino
superior. O presidente e o vice-presidente são escolhidos pelos
elementos da comissão.
As despesas de funcionamento são suportadas pelas verbas inscritas no orçamento do Ministério da Educação.
* Compreendemos as justificações mas não aprovamos a demissão, sai um homem de bem para entrar um "sabe-se lá quem"!
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