Tu, os teus amigos e eu
As segundas relações, se sérias quiserem ser, são mesmo tramadas
O drama de qualquer divorciado é iniciar uma nova relação séria, passada
a euforia dos primeiros meses da suposta libertação das amarras do
casamento. Na passada semana, numa conversa de esplanada à beira-mar,
três amigos de infância lamentavam-se precisamente disso. É claro que as
cervejolas geladas descontraiam as tensões e faziam correr as palavras
com a facilidade que só o calor libertador de Agosto e uma amizade de
longos anos propiciam.
Entre risos e frustrações veladas, um deles
lançou o mote da reflexão ao confessar que há já vários dias andava de
cabeça perdida, tentando acompanhar o ritmo do namorado, por sinal mais
novo, que fazia da noite dia e do dia noite. Tenho que estar à altura
não vá ele pensar que anda com uma velha, dizia ela com olheiras que o
bronzeado da ilha vizinha mal conseguia disfarçar. A outra, entre as
baforadas de um cigarro resignado, ria-se enquanto contava que, no seu
caso, a situação era ligeiramente diferente. Não que não andasse cansada
também – andava-o e muito! – mas, desta feita, o cansaço devia-se a
estar sempre de sorriso colado à boca para agradar a mãe, os filhos e os
amigos do seu novo companheiro. Se eles não gostassem dela, confessava,
a relação podia ir à vida, possibilidade que lhe punha os cabelos em
pé. O meu amigo, único elemento masculino participante nesta tertúlia de
insatisfação, queixava-se, por sua vez, de não conseguir uma mulher que
quisesse assumir uma relação. Só querem cama! – explodiu, revelando
estar farto do assédio feminino que apenas lhe incrementa a sensação de
solidão e o vazio de afetos a que a vida o votou depois do divórcio.
Distanciando-me então da conversa que mais parecia um take de O Sexo e a
Cidade, dei comigo a pensar no casamento dos meus pais. Não sei se foi
pelos copos ou se por saber que ambos estão juntos há 50 anos, mas o
certo é que esta evocação me trouxe à lembrança como o meu pai e a minha
mãe se entendem. Têm uma relação a dois. Tudo o resto vem depois.
Perguntei-me, então, se agora os casamentos continuariam a ser assim. O
primeiro, talvez; as relações seguintes nem pensar, respondeu-me, quase
em uníssono, a plateia que acompanhava o meu raciocínio. E acho que com
alguma razão: as segundas relações, se sérias quiserem ser, são mesmo
tramadas.
Se não, vejamos… “mulher” ou “marido”, na aceção da palavra e para as
respetivas famílias do casal, são-no apenas os do primeiro casamento. Os
que se seguem são qualquer coisa menos isso, mesmo que legitimados com
papel passado. Mas isso até se compreende – os primeiros são geralmente
os pais dos filhos e estes são sagrados – o que já não se compreende tão
bem é que os segundos tenham o pesado fardo de ter de cair na boa graça
de todos os que fazem parte da vida do/a novo/a companheiro/a. É que,
se para os primeiros, a relação era entre um tu e um eu, tal como a dos
meus pais, nas outras já é entre um tu, os amigos e os filhos do tu e um
eu. Se assim não for, nada feito. Os segundos chegaram por último, os
amigos e os filhos, esses são de toda a vida… Por isso, se o segundo
quiser ficar, que se amanhe. Terá de ser iniciado no clã, aceite por
este e, sobretudo, ser sempre melhor do que o seu predecessor. Sim,
porque das comparações ninguém o livra. A paciência e a tolerância
também se esgotaram na primeira leva, dando lugar a níveis inimagináveis
de exigência que os segundos têm de suportar sem piar. Os que vieram
para permanecer têm de andar com pezinhos de lã, porque, para chatear,
já houve os primeiros. E deu no que deu.
E enquanto o sol aquecia a esplanada e a cerveja arrefecia as almas,
lembrei-me, qual Carrie Bradshaw, que, se calhar, sou ingénua de mais
por ainda crer que algures há sempre um tu que se torna mais importante
do que tudo na vida de um eu, chegue cedo ou tarde. Acredito nisso,
embora a vida teime em mostrar, nem que seja numa mera conversa de
férias, que, afinal, nestas coisas de relações, poucas vezes os últimos
são os primeiros.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
30/08/13
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