Indignidade
Afinal, foi ainda pior do que se esperava. Os exames do 12.º ano que o
Governo insistiu em realizar na passada segunda-feira, apesar da decisão
do colégio arbitral – que propunha o seu adiamento para 20 de Junho –,
redundaram num caos sem precedentes na história recente da escola
pública.
No braço-de-ferro entre o Governo e os sindicatos valeu
tudo, desde o desprezo pelas regras mais elementares da normalidade
escolar até à intolerável desigualdade de tratamento dos alunos,
divididos entre aqueles que, por privilégio de ordem alfabética,
conseguiram fazer a prova e os outros que dela se viram excluídos (tendo
de aguardar por um novo exame no início de Julho).
O Governo
tinha ao seu dispor a porta de saída proposta pelo colégio arbitral –
cuja autoridade e utilidade institucional foram sumariamente atiradas
para o lixo – mas receou dar mostras de fraqueza na guerra com os
sindicatos. Ora, só um Governo fraco, encurralado pelo receio de perder a
face e sem sentido de Estado, improvisaria uma operação que acabou por
ter custos devastadores para a reputação da escola pública e do
Ministério que a tutela.
Sem contar com as irregularidades e os
expedientes ínvios de que se socorreu Nuno Crato para impor a realização
dos exames no dia 17, o resultado foi o oposto daquele que oficialmente
– e hipocritamente – se pretendia: a defesa dos interesses dos alunos e
suas famílias.
Pelo contrário, os estudantes foram a carne para
canhão de uma guerra absurda, as grandes vítimas da intransigência
ministerial e sindical, meros peões de um jogo de sorte e azar. Além
disso, o Ministério não podia deixar de saber que, apesar da convocação
autoritária de todos os professores para as escolas no dia do exame, não
estava minimamente garantida a realização das provas para a totalidade
dos alunos, como acabou inevitavelmente por acontecer.
O princípio
de um exame nacional com base num mesmo enunciado é, como se sabe, a
única garantia de igualdade na aferição dos conhecimentos dos
estudantes. Acresce que o clima que rodeou o exame não nacional do dia
17 contribuiu para criar uma grande instabilidade emocional e
psicológica entre os alunos que fizeram a prova e aqueles que não
puderam participar nela.
Nos seus primeiros dois anos de
existência, este Governo não tem hesitado em ultrapassar sucessivos
patamares – da incompetência, do servilismo mais rastejante perante a
troika, do fanatismo ideológico, da insensibilidade social, da
revoltante desigualdade de critérios com que trata os fracos e os
poderosos – até atingir aquele que põe em causa a sua legitimidade
ética, cívica e democrática: o da indignidade.
Essa indignidade
traduz-se em vários exemplos recentes. O Governo programou, nas vésperas
da época de exames, a precarização da carreira docente de forma a
facilitar o futuro despedimento dos professores – e potenciando assim o
clima de conflitualidade que se verificou. No caso dos swaps,
submeteu-se ao poder financeiro especulativo ou insiste em manter na
equipa das Finanças – e, para cúmulo, à frente desse dossiê! – uma
secretária de Estado anteriormente envolvida no folhetim. Mas o caso
porventura mais insuportável, pelo que revela de arbitrariedade,
provocação e revanchismo em relação ao Tribunal Constitucional, foi a
decisão de adiar para Novembro o pagamento do subsídio de férias aos
funcionários e pensionistas.
O cinismo com que o
primeiro-ministro recusou dar explicações plausíveis sobre esse capricho
vingativo – afirmando que o pagamento dos subsídios no final do ano não
se devia a razões financeiras mas ao facto de não ter sido ainda
aprovado o Orçamento Rectificativo! – reflecte um padrão de
comportamento absolutamente deplorável.
Mas eis que surge o agora
inevitável bombeiro de serviço do Governo, Poiares Maduro, numa
tentativa caricata para apagar o fogo. Afinal, o subsídio que irá ser
pago em Novembro é o subsídio de Natal e não o de férias, contrariando
assim tudo o que foi dito até agora por Passos Coelho e outros
responsáveis governamentais…
O celebrado currículo académico de
Maduro não lhe tem servido senão para correr a deitar águas consensuais
nas fervuras incendiárias do Governo. Mas um Governo em que o
primeiro-ministro diz uma coisa e o seu mais próximo colaborador
político diz outra, de sentido contrário, confirma a sua total
descredibilização, a sua já anedótica incoerência e também a chocante
falta de respeito com que trata os portugueses.
PS – Com a
cumplicidade do Presidente da República, o Governo permitiu-se, à última
hora, um derradeiro gesto de indignidade: o de cortar às postas, entre
Junho e Novembro, o tal subsídio de férias (ou de Natal, segundo
Maduro), julgando assim que dividiria e confundiria uma vez mais os
cidadãos.
IN "SOL"
24/06/13
.
Sem comentários:
Enviar um comentário