Absurreal
Era desejável que pelo menos Cavaco Silva tivesse algum discernimento
Não vou escrever sobre isso. Rui Tavares tem toda a razão: “Não há
palavras já inventadas que descrevam esta nova situação: absurreal,
alucinática. Seria grotescómica se não fosse suicidente.”
Perante a demissão do braço direito do Governo, Vítor Gaspar, a escolha
de Maria Luís Albuquerque para ministra das Finanças, o pedido de
demissão do líder do segundo partido da coligação, Paulo Portas, a
recusa do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, a tomada de posse de
Maria Luís Albuquerque, a reacção do Presidente da República, Cavaco
Silva, e o recuo de Paulo Portas, estou, repescando outra palavra usada
por Rui Tavares no Público, “boquiatónica”.
Julgava não ser possível pior do que a tomada de posse do Governo de
Santana Lopes. Lembra-se de Teresa Caeiro, “filha e neta de militares”,
apontada a meio da tarde como secretária de Estado adjunta do ministro
da Defesa e dos Antigos Combatentes, assumir a pasta das Artes e do
Espectáculo?
Muitos dos que fizeram a defesa da estabilidade governativa como via de
sentido obrigatório para o país regressar aos mercados em Junho de 2014
dizem agora que o mais sensato é convocar eleições. Já não dá para fazer
de conta: não há estabilidade, nem credibilidade – nem confiança, nem
investimento, nem crescimento. Nos últimos dias, a meta passou de
dificílima a questão de fé.
Era desejável que pelo menos Cavaco Silva tivesse algum discernimento,
nem se pedia muito, o suficiente para dizer “basta”, mas não. Talvez se
identifique com o “absurreal”.
Nunca fez um discurso de recusa de demissão, como Pedro Passos Coelho,
mas desmaiou em 1995, na Sala dos Embaixadores do Palácio da Ajuda, ao
passar o lugar de primeiro-ministro a António Guterres.
Não, não vou escrever sobre isto. O meu amigo Manel tem razão. É Verão.
Está um calor dos diabos. Tenho de pensar em temas próprios para a
época, em qualquer coisa que não ponha as pessoas com vontade de fugir,
como o Governo, o Presidente da República, os juros da dívida, a
ditadura dos mercados a asfixiar a democracia desejada – humanizada,
participada, praticada. Vou ligar à minha mãe e perguntar como estão os
preparativos para o arraial dos Lameiros.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
07/07/13
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