E se a Alemanha
disser basta?
Para Portugal podem adocicar-se os termos, mas não
há alternativa à austeridade, mesmo que esta possa e deva ser
administrada em doses mais moderadas, e isso será ainda muito mais
difícil sem os empréstimos baratos que os países europeus nos garantem
por pertenceremos a um projecto colectivo.
Numa entrevista concedida em 2002,
agora revelada, o antigo chanceler alemão Helmut Kohl concede que se
comportou como um ditador quando na década de 90 não ousou fazer um
referendo sobre o euro porque sabia que o projecto morreria na praia. Na
sua intuição, se tivessem a possibilidade de votar, 70% dos alemães
teriam chumbado o abandono do bom velho marco. Suspendeu-se a
democracia? Talvez não. A democracia representativa é um sistema de
delegação de poderes, e não é preciso ser plebiscitária para ser
democracia. Prevaleceu a profunda convicção de um homem quatro vezes
reeleito de que estava a selar a paz eterna na Europa porque “nações com
uma mesma moeda nunca declaram guerra umas às outras”
Duas décadas volvidas, o consenso entre as elites alemãs em torno do
euro não é mais o que era, nem é mais o que era a oposição entre os
governados. A mais recente sondagem do instituto Forsa para o
Handelsblatt sugere que quase 70% dos alemães votaria hoje a favor da
preservação do euro – não há, aliás, registo de uma sondagem tão
favorável. Paradoxalmente a Alemanha – até agora um imenso deserto em
matéria de eurocepticismo organizado – acaba de ver nascer o primeiro
partido anti-euro.
Porquê?
A explicação mais óbvia para a adesão dos governados estará no bolso.
Nos anos 90, os alemães estavam assustados com o impacto da
reunificação do país e pressentiam os dez anos de estagnação e de
elevado desemprego que se seguiriam. Hoje, a crise é do euro – não é
(ainda) da Alemanha, o único país que saiu mais forte do colapso que
começou pelo mundo da finança.
Já o nascimento do “Alternative fuer Deutschland” (AfD) – Alternativa
para a Alemanha – sinaliza um crescente inconformismo entre elites
alemãs com as opções que foram tomadas pelos seus mentores. Bernd Lucke é
o rosto mais visível do novo partido de economistas e professores que
teve o seu primeiro congresso no passado fim-de-semana. Professor de
macroeconomia da Universidade de Hamburgo e antigo conselheiro do Banco
Mundial foi militante da CDU de Kohl e de Angela Merkel durante 33 anos.
Deixou o partido em 2011. Não porque seja um anti-europeu. De todo. Mas
porque quer “conversa franca em vez de s€dativos”. Porque, como por
aqui se ouve, também quer “alternativa” – só que no lugar da
“austeridade”, denuncia os “resgates” aos periféricos que, a custo,
Angela Merkel vai vendendo ao seu parlamento e eleitorado como única
“alternativa” para manter o euro.
Embora as sondagens sugiram que o AfD não recolherá nas eleições de
Setembro o mínimo de 5% de votos necessários à representação
parlamentar, é incontornável que fica doravante aberta a porta para uma
discussão organizada e consequente na Alemanha sobre o fim do euro – ou
sobre a saída da Alemanha do euro.
Para Portugal podem adocicar-se os termos, mas não há alternativa à
austeridade, mesmo que esta possa e deva ser administrada em doses mais
moderadas. E isso será ainda muito mais difícil sem os empréstimos
baratos que os países europeus nos garantem por pertenceremos a um
projecto colectivo. Será muítissimo mais difícil sem o euro ou sem a
Alemanha numa qualquer sequela (também ela dificil de imaginar) de união
monetária na Europa.
Calcula o FMI que se Portugal quiser reduzir, até 2030, o rácio da
dívida pública para o equivalente a 60% do seu PIB terá de fazer um
ajustamento orçamental (cortar despesa e/ou aumentar receita)
equivalente a 8,9% do Produto. Ou seja, teriam de ser feitas três
“reformas do Estado” iguais à que já hoje ameaça coligações e afasta o
PS de um entendimento com o Governo como o Diabo da Cruz. Pode
argumentar-se que os tais 60% não fazem sentido, que serão sempre
miragem, que as contas do FMI não batem certo, mas ninguém terá dúvidas
de que é o velho "monstro” o que ainda andamos a empurrar com a barriga.
*Redactora Principal
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
18/04/13
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