19/02/2013

JOÃO CÂNDIDO DA SILVA

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O produto da estação

O mesmo produto financeiro não serve todos os objectivos e todos os perfis de risco.
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A redução das taxas de juro dos títulos de dívida pública portuguesa são uma boa notícia. Por duas razões essenciais.

O movimento cria condições para que o Estado português, as instituições financeiras e as empresas reabram as portas de acesso ao crédito nos mercados internacionais. E sinaliza, também, que as previsões mais catastróficas sobre o futuro do euro podem pecar por exagero, apesar de o horizonte estar cheio de riscos, como provam os dados mais recentes que dão conta da anemia que está a propagar-se às economias mais poderosas da Zona Euro.

Aquilo que constitui um sinal de normalização não tem apenas o lado positivo de permitir vislumbrar uma primeira meta cumprida em contrapartida dos sacrifícios exigidos pela consolidação das finanças públicas em Portugal. Se a remuneração implícita nas obrigações emitidas pelo Tesouro português tem vindo a baixar, numa evolução determinada pela valorização dos títulos que é sustentada pelo aumento da procura, isto significa que a relação entre rendibilidade e risco sofreu uma reviravolta.

Há um ano, as dúvidas sobre a capacidade de a Zona Euro controlar e superar a grave conjuntura financeira e a crise de confiança nos países periféricos justificavam uma percepção de risco mais elevado. Os títulos estavam desvalorizados e quem estivesse disposto a arriscar só o fazia na perspectiva de obter retornos de dois dígitos, superiores, até, a 20%. Para os investidores que deram o passo em frente, a decisão foi compensadora.

Agora, o cenário é diferente. As obrigações do Tesouro nos prazos mais curtos apresentam rendibilidades substancialmente inferiores e até nas maturidades de maior duração os tempos dos retornos deslumbrantes, embora arriscados, já lá vão. Ou seja, quem procura adubo de efeitos rápidos no crescimento do seu dinheiro já não encontrará nas obrigações do Tesouro os produtos atraentes que foram durante o período de maior turbulência. Mas isto não o mesmo que afirmar que se devam virar as costas à possibilidade de ter uma parcela da poupança aplicada nestes terrenos.

Os produtos financeiros não existem para servir todas as situações, nem todos os objectivos de quem investe, nem, tão pouco, todos os perfis de risco. O mesmo produto pode, numa conjuntura, mostrar-se ajustado a quem esteja disponível para suportar perdas, mas aceite correr riscos em busca de uma rendibilidade mais elevada. Noutra conjuntura, pode revelar-se menos interessante para provocar emoções fortes, mas servir como uma fato à medida em investidores que privilegiem estabilidade e segurança e que, por isso, aceitam rendibilidades comparativamente menores.

É neste ponto que estão, agora, as obrigações emitidas pelo Estado português. Desinteressantes para os caçadores de ganhos de curto prazo, mas adaptadas a perfis mais conservadores.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
18/028/13

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