HOJE NO
"PÚBLICO"
Há carne de vaca picada à venda em Portugal sem condições, diz a Deco
Estudo em 34 talhos de Lisboa e Porto revela uso de “aditivos enganosos”, e “panorama abundante de microrganismos, alguns potencialmente patogénicos”. ASAE garante que existe controlo e fiscalização.
Carne contaminada com salmonela, listéria e outros micro-organismos,
carregada de conservantes proibidos, e colocada à venda a temperaturas
muito superiores ao estabelecido por lei: um estudo da DecoProteste em
34 talhos na zona da Grande Lisboa e do Grande Porto revelou resultados
“alarmantes”. A carne picada que se encontra à venda representa um
perigo para a saúde pública, alerta a associação de defesa do
consumidor.
“A fiscalização falhou”, denuncia a Deco,
numa crítica à actuação da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica
(ASAE). “Os nossos resultados mostram que a fiscalização tem sido pouco
eficaz”, declarou ao PÚBLICO, Nuno Lima Dias, técnico da associação e
um dos responsáveis pelo estudo. “Esta questão é bem mais grave do que a
presença de carne de cavalo em produtos alimentares, que não representa
um perigo para a saúde”.
O inspector-geral da ASAE, António
Nunes, disse ao PÚBLICO não reconhecer a crítica e garantiu “a carne e
os produtos transformados à base de carne são sistematicamente
avaliados”. A ASAE, afirma o responsável, tem uma especial preocupação
com a carne transformada.
António Nunes diz que não se pronuncia
sobre o estudo da Deco por não o conhecer, mas considera uma amostra de
34 talhos pouco representativa. “Temos várias operações por ano, vamos a
vários locais e já temos feito várias apreensões e suspensões”, afirma,
não partilhando, contudo, da visão da Deco sobre uma situação de
incumprimento generalizado no sector.
Nos últimos quatro anos, a
ASAE fiscalizou 4230 estabelecimentos ligados à venda e preparação de
produtos à base de carne, instaurou 818 processos por contra-ordenação e
91 processos crime, o que corresponde a uma taxa de incumprimento de
21%, indicam dados oficiais. Em 2012 foram colhidas 209 amostras,
correspondendo a 173 produtos à base de carne, 18 de carne fresca e 18
de carne picada, e foram detectadas 20 amostas não conformes.
O
mais preocupante no estudo da Deco é, para Nuno Lima Dias, a quantidade
de sulfitos encontrados – estes conservantes que são inibidores de
microorganismos, dão uma aparência de frescos a produtos que não o estão
e foram detectados (em alguns casos em elevadas quantidades) em 60 %
das amostras de carne picada recolhidas.
“Os sulfitos evitam, por
exemplo, que a carne escureça”, explica. E não tem dúvidas de que
representam um sério perigo para a saúde pública, podendo causar dores
de cabeça, náuseas, problemas cutâneos ou digestivos, e, em alguns
casos, crises de asma. O técnico da Deco lembra que a legislação obriga a
identificar claramente a existência de sulfitos nos produtos em que
estes estão autorizados, como acontece com o vinho. E nesses casos é
obrigatório fazê-lo a partir de 10 miligramas de sulfitos por quilo ou
litro. “Encontrámos na carne picada valores 100 ou 150 vezes superiores”
Muito
grave também, para a Deco, é o facto de na maioria dos estabelecimentos
visitados a carne estar a temperaturas muito acima dos 2º C previstos
pela lei. Só oito talhos respeitavam a legislação – os 26 restantes
tinham temperaturas muito superiores (4,6ºC em média em Lisboa, 6,3ºC no
Porto), embora os expositores indicassem temperaturas muito inferiores.
Para
além da salmonella (encontrada em 25% das amostas) e da listéria
monocytogenes (em 35%), foram detectados na carne picada indicadores de
contaminação fecal como o E.coli, e “elevado número de bactérias”. Um
“panorama abundante de microrganismos, alguns potencialmente
patogénicos” que leva a Deco aconselha os consumidores a só comprarem
carne picada no momento e a cozinhá-la muito bem. No que diz respeito à
composição foi identificado elevado teor de gordura e de colagénio
(tecido conjuntivo, tendões, etc, com fraco valor alimentar).
Perante
os resultados, a associação de defesa do consumidor exige que o
Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do
Território proíba a venda de carne previamente picada a granel,
autorizando apenas a venda de carne picada à vista a pedido do
consumidor.
* Carne picada não é carne com pica
.
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