Anos horríveis
Gostaria de desejar ao leitor um bom ano novo, mas receio que, desta
vez, estivesse a cometer um acto cínico de humor negro. Com efeito, se
2012 foi o ano horrível que se sabe, 2013 promete ser ainda bem pior,
pelo menos no que se refere a Portugal ou à Europa – e esperando-se que
não forçosamente ao resto do mundo.
Não é a primeira vez que o meu
optimismo natural se confronta com sentimentos negativos, mas nunca como
agora me vi envolvido por um ambiente colectivo tão sombrio e para o
qual não vislumbro, a curto ou médio prazo, perspectivas de saída.
Não
sabemos apenas que 2013 será, em Portugal, um ano mais horrível do que
2012. Sabemos também que faltam, como nunca antes aconteceu, motivos
para acreditar na mera racionalidade de quem nos governa ou em
alternativas fortes e duradouras para o bloqueio imposto pelo poder dos
fortes e a impotência dos fracos.
Claro que há sempre a
possibilidade de despertarmos pela insubmissão e a revolta – mas a sua
concretização por meios pacíficos parece, dia a dia, mais vulnerável, e o
recurso à violência comporta uma maldição de que a História já nos
revelou, ciclicamente, o preço terrível.
Depois de já ter perdido a
honra e a vergonha, como escrevi na última crónica, Passos Coelho não
receou dirigir-se novamente aos seus compatriotas como se fossem imbecis
inveterados. Ou então, porque ele próprio se sente tão confundido e
desesperado na sua incongruência que já perdeu totalmente o controlo das
palavras escolhidas para uma mensagem de Natal.
Enquanto, por um
lado, vem pregando a necessidade urgente de refundação do Estado – seja
lá o que isso for… – o primeiro-ministro não temeu garantir na sua
mensagem natalícia que «a esmagadora maioria das medidas que faziam
parte» do chamado memorando de entendimento com a troika «está já
concluída ou em fase de conclusão». Então como se explica que fale em
«refundação» – ou seja, fundar de novo – se a «esmagadora» maioria das
reformas estão concluídas ou em vias disso? Refundar, afinal, o quê?
Mas
Passos Coelho não recua perante os mais espalhafatosos contrasensos. No
último debate quinzenal no Parlamento, afirmou que 2012 fora o pior ano
desde o 25 de Abril, mas também «um ano de reformas como o país nunca
tinha assistido»! Já 2013, apesar do agravamento esmagador da carga
fiscal – como o país não conheceu desde 1974 – seria «um ano de
estabilização e um ano de viragem», antecedendo o miraculoso «regresso
ao crescimento» em 2014. Para quem vive e observa a realidade
portuguesa, não será tudo isto simplesmente delirante?
Mas o
primeiro-ministro arrisca-se também a contradizer o seu ministro das
Finanças que, literalmente electrocutado pelos sucessivos falhanços das
suas previsões, já anunciou desistir de novos palpites devido à
‘incerteza’ da conjuntura internacional.
No entanto, através do
Banco de Portugal e da própria troika, tem-se querido fazer passar a
ideia de que, apesar da dureza inédita das condições de vida impostas
aos portugueses (é isso a que chamam «reformas»), o país tem caminhado
na direcção certa para conseguir o ajustamento financeiro. Assim, o
progressivo descontrolo das contas públicas e a impossibilidade de
atingir os défices acordados com os credores internacionais dentro dos
prazos anunciados não seriam necessariamente contraditórios com o
sucesso do ajustamento. Haverá alguém que compreenda a racionalidade de
tudo isto? Ou a lógica financeira é, pura e simplesmente, uma batata?
Financeiramente,
vamos cumprindo como ‘bons alunos’ aquilo a que fomos obrigados, embora
com contas caóticas e prazos descontrolados. O que importa são as
aparências, é ser-se submisso e aceitar os ditames da sra. Merkel ou, já
agora, dos próprios socialistas franceses que parecem querer dar razão
àqueles que viam em Hollande um homem das sínteses e compromissos
redondos e predisposto a recuar na primeira ocasião relativamente às
promessas eleitorais (o que explica a sua política ziguezagueante que o
eleitorado já castiga com um declínio vertiginoso de popularidade).
O
Presidente francês começara por exigir a Merkel um pacto de crescimento
para contrabalançar o pacto orçamental e, à primeira vista, a chanceler
cedeu a essas pretensões que tinham o apoio da Itália e da Espanha (o
‘bom aluno’ ficou calado…). Mas assim que o Parlamento francês aprovou o
pacto orçamental, o pacto de crescimento tornou-se uma mera flor de
retórica para oferecer galantemente à sra. Merkel.
Há um episódio
célebre da mitologia que inspirou vários pintores famosos, o Rapto da
Europa. 2012 e 2013 são os anos horríveis em que a Europa (não
mitológica e prisioneira do poder germânico-financeiro) se viu raptada
outra vez. E o pior pode estar prestes a acontecer, quando já for tarde
para libertá-la e salvar o que resta de um mito.
IN "SOL"
31/12/12
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