Decisão à Francesa
O Conselho Constitucional francês considerou inconstitucional, em
fiscalização preventiva, uma taxa de imposto de 75% sobre os rendimentos
superiores a um milhão de euros. Mas o fundamento não foi a
desproporcionalidade dessa contribuição extraordinária de solidariedade
social pedida por dois anos aos titulares dos rendimentos mais elevados.
O Conselho Constitucional entendeu apenas que o
método de cálculo do imposto violaria o princípio da igualdade. Com
efeito, o projeto legislativo – que teve, entre outras consequências, a
atribuição da nacionalidade russa a Gérard Depardieu – previa para os
rendimentos sujeitos a imposto uma base estritamente pessoal, não tendo
em conta o agregado familiar.
Assim, mesmo que um
dos membros do casal não auferisse quaisquer rendimentos, os elevados
rendimentos auferidos pelo outro justificariam a aplicação da taxa de
75%. Porém, se num agregado familiar ambos os cônjuges ultrapassassem
(até perto do dobro) aquele rendimento, mas nenhum o atingisse
singularmente, já não poderia ser aplicada a referida taxa.
Nunca
esteve em causa, num Conselho Constitucional a que pertence o próprio
Nicolas Sarkozy, a proporcionalidade da altíssima taxa de imposto
aplicável a rendimentos muito elevados ou a lógica de solidariedade
social em que se baseia. Apenas se discutiu a igualdade entre muito
ricos e muito ricos, em nome da equidade fiscal e da sua capacidade
contributiva.
Os problemas que o nosso Tribunal
Constitucional deverá analisar são de natureza quase inversa. Na
verdade, questiona-se a discriminação dos rendimentos do trabalho, em
geral, dos funcionários públicos e dos reformados, em particular, e a
contribuição extraordinária de solidariedade que incide sobre reformas
que em pouco excedem os mil euros mensais.
O
Tribunal Constitucional não pode, assim, decidir à francesa, abstendo-se
de confrontar a estrutura do Orçamento com princípios constitucionais
tão básicos como a igualdade e a confiança. Estará de novo em causa,
como já evidenciou o Acórdão relativo ao Orçamento de 2012, a
discriminação negativa dos salários e das reformas quanto a outros
rendimentos.
E se chegar a ser colocada pelos
Deputados a questão da progressividade do imposto (associada à supressão
de escalões), o Tribunal Constitucional deverá precisar ainda o
significado do princípio da equidade fiscal. Terá de esclarecer qual é o
grau de exigência que resulta da previsão constitucional de um imposto
sobre o rendimento "único e progressivo".
Professora Catedrática de Direito Penal
IN "CORREIO DA MANHÃ"
06/01/13
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