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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
23/11/12
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Gaza ou a revisão da História
Há
sessenta e quatro anos que Israel usa dois discursos para legitimar as
suas intervenções nos territórios ilegitimamente ocupados da Palestina:
um é o discurso da "eliminação definitiva do terror palestiniano"; o
outro é o da "legítima defesa contra os ataques de que Israel é alvo".
Ambos projetam uma revisão ardilosa da História.
Há sessenta e
quatro anos que Israel anuncia a vitória definitiva contra os seus
inimigos próximos. Para só citar dois momentos recentes, foi assim
quando da guerra contra o Hezbollah em 2006 e foi assim de novo na
Operação Chumbo Fundido, de 2008-2009, contra o Hamas. Em ambos os
casos, o uso claramente desproporcional da força por Israel foi
justificado como necessário para pôr fim definitivo às agressões
continuadas pelo grupo pró-iraniano no Sul do Líbano ou do grupo
dominante na Faixa de Gaza contra o Estado de Israel. Afinal, ambas as
eliminações definitivas do terror foram um fiasco absoluto: os rockets
continuam a ser lançados de Gaza e o Hezbollah tem hoje um arsenal de
mísseis e uma influência política no Sul do Líbano bem maiores do que os
que possuía em 2006.
Falsa é igualmente a narrativa da resposta
em legítima defesa. Cada violação dos sucessivos cessar-fogo é
invariavelmente apresentada como simples retaliação de ataques
anteriores e exteriores. Invariavelmente, Israel projeta dos
palestinianos a imagem de um povo que faz da agressão o seu modus
vivendi, ao passo que Israel será uma vítima inocente que mais não faz
do que defender-se. Para ajudar à composição do argumento, os
palestinianos atacam sempre com poucos mísseis mas maus e agressivos
(neste caso, iranianos) e Israel defende-se sempre com muitos mísseis
mas bons e defensivos (neste caso, norte-americanos de última geração).
Esta onda de violência que de novo atingiu os 1,7 milhões de pessoas
presas no gueto de Gaza voltou a ser explicada da mesma forma enganosa.
Faltou dizer, nessa narrativa para consumo preguiçoso, que Netanyahu e
Liberman vão a votos em janeiro e que a aliança de governo entre os dois
está longe de ter sondagens animadoras. E faltou dizer também que o
assassinato do dirigente do Hamas Ahmed Jabari, associado nesse momento
às negociações de um acordo, foi o momento em que a guerra escalou
vertiginosamente.
A aposta de Israel num clima de permanente
crispação que lhe permita assegurar o apoio dos Estados Unidos e da
União Europeia tem no rigor da História o seu grande inimigo. E a
História tem três aspetos que nenhuma estratégia israelita de
revisionismo conseguirá apagar: primeiro, a ocupação dos territórios
palestinianos, contra o Direito Internacional, é a causa primeira e
última do conflito; segundo, o povo da Palestina continua privado de ter
um Estado, de ter comércio normal, de ter liberdade de movimentos, de
ter dignidade; terceiro, a macabra bolsa de mortos (16 palestinianos por
cada israelita, tendo sido de 111 por 1 em 2009) é como todas as
bolsas: alimenta-se a sim própria.
É por isso que este ataque
contra Gaza não foi senão o último antes do próximo. Porque, haja
acalmia ou não, atacar Gaza dá votos e legitima o imobilismo político de
Telavive. E sobretudo desvia a atenção da História real para uma
História conveniente.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
23/11/12
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