22/11/2012

INÊS PEDROSA

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 Tiro aos criadores

Até a chanceler Angela Merkel, que não é propriamente uma Dilma Rousseff tropical e por conseguinte crente na força do Sol e na energia da música, é capaz de perceber – e disse-o em Portugal – que 50% da política económica é psicologia. Um país que se fustiga e maltrata não pode sentir-se confiante. 

O elogio feito pelos alemães e pelo Eurogrupo à ‘consolidação orçamental’ não tem qualquer efeito no que se refere a animar as hostes, que apenas experimentam a consolidação progressiva do desespero, do desemprego e da pobreza.
Horizonte, nenhum: como Manuela Ferreira Leite não se cansa de repetir, que interessa que a austeridade termine quando já estivermos todos mortos? 

A cultura é o que se opõe à morte e garante a sobrevivência de um povo.
Esperar-se-ia que, numa época tão difícil, os criadores fossem, de algum modo, estimulados, de forma a manter uma réstia de ânimo no país. O estímulo mínimo que se exigiria seria o do respeito – mas aquilo a que se assiste é uma perseguição feroz.

O jornal Público noticiava há dias que vários autores estão a ser obrigados a devolver os benefícios fiscais – e com retroactivos, devido a reinterpretações casuísticas do Código dos Direitos de Autor. Na ânsia de ir buscar mais dinheiro aos impostos, as Finanças forçam os escritores a provar que os seus textos são ‘criação artística ou intelectual’ e reclamam contratos em que se explicite que assim é. 

Ora os prefácios ou os textos que os escritores são convidados a escrever para catálogos e jornais raramente são antecedidos de contrato – porque nunca houve esta prática de desconfiar que aquilo que um escritor escreve possa não ser ’criação artística e intelectual’.
Como se pode aferir o grau a partir do qual um texto é ‘criativo’? Que critério fiscal objectivo poderá decidir sobre a autoridade ‘intelectual’ de um texto? A situação é kafkiana: os autores estão neste momento a ser acossados como bandidos de estrada. 

Seria mais simples e menos hipócrita decidir, brutalmente, extinguir os benefícios fiscais aos criadores – pessoas que, convém lembrar, não têm emprego fixo, nem férias, nem benesses empresariais de espécie alguma, e pagam na íntegra a sua Segurança Social. 

Parece que a proposta chegou a estar em cima da mesa e só não avançou por oposição do agora ex-secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas.
Cortar todas as condições aos criadores é dar-lhes carta de despejo do país – como tem sido feito aos jovens. Sem livros, teatro, cinema, música, artes, o que sobrará de um país pequeno, cuja marca contemporânea no mundo é, antes de mais, cultural? 

Aparentemente, não há um neurónio no Governo disponível para pensar nisso. Os criadores acabarão por abandonar o país 
( muitos já o estão a fazer) e criar no Brasil, em França, na Alemanha. Para desgraça de Portugal – que não é só cortiça, e se afunda de cada vez que se humilha a si mesmo. 


IN "SOL"
20/11/12

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