Tiro aos criadores
Até a chanceler Angela Merkel, que não é propriamente uma Dilma Rousseff
tropical e por conseguinte crente na força do Sol e na energia da
música, é capaz de perceber – e disse-o em Portugal – que 50% da
política económica é psicologia. Um país que se fustiga e maltrata não
pode sentir-se confiante.
O elogio feito pelos alemães e pelo
Eurogrupo à ‘consolidação orçamental’ não tem qualquer efeito no que se
refere a animar as hostes, que apenas experimentam a consolidação
progressiva do desespero, do desemprego e da pobreza.
Horizonte,
nenhum: como Manuela Ferreira Leite não se cansa de repetir, que
interessa que a austeridade termine quando já estivermos todos mortos?
A cultura é o que se opõe à morte e garante a sobrevivência de um povo.
Esperar-se-ia
que, numa época tão difícil, os criadores fossem, de algum modo,
estimulados, de forma a manter uma réstia de ânimo no país. O estímulo
mínimo que se exigiria seria o do respeito – mas aquilo a que se assiste
é uma perseguição feroz.
O jornal Público noticiava há dias que
vários autores estão a ser obrigados a devolver os benefícios fiscais – e
com retroactivos, devido a reinterpretações casuísticas do Código dos
Direitos de Autor. Na ânsia de ir buscar mais dinheiro aos impostos, as
Finanças forçam os escritores a provar que os seus textos são ‘criação
artística ou intelectual’ e reclamam contratos em que se explicite que
assim é.
Ora os prefácios ou os textos que os escritores são
convidados a escrever para catálogos e jornais raramente são antecedidos
de contrato – porque nunca houve esta prática de desconfiar que aquilo
que um escritor escreve possa não ser ’criação artística e intelectual’.
Como se pode aferir o grau a partir do qual um texto é
‘criativo’? Que critério fiscal objectivo poderá decidir sobre a
autoridade ‘intelectual’ de um texto? A situação é kafkiana: os autores
estão neste momento a ser acossados como bandidos de estrada.
Seria
mais simples e menos hipócrita decidir, brutalmente, extinguir os
benefícios fiscais aos criadores – pessoas que, convém lembrar, não têm
emprego fixo, nem férias, nem benesses empresariais de espécie alguma, e
pagam na íntegra a sua Segurança Social.
Parece que a proposta
chegou a estar em cima da mesa e só não avançou por oposição do agora
ex-secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas.
Cortar
todas as condições aos criadores é dar-lhes carta de despejo do país –
como tem sido feito aos jovens. Sem livros, teatro, cinema, música,
artes, o que sobrará de um país pequeno, cuja marca contemporânea no
mundo é, antes de mais, cultural?
Aparentemente, não há um
neurónio no Governo disponível para pensar nisso. Os criadores acabarão
por abandonar o país
( muitos já o estão a fazer) e criar no Brasil, em
França, na Alemanha. Para desgraça de Portugal – que não é só cortiça, e
se afunda de cada vez que se humilha a si mesmo.
IN "SOL"
20/11/12
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