A quem serve
a martirização policial?
A martirização policial permitiu transformar as manifs em territórios de risco
A carga da polícia de choque que se seguiu à manifestação do dia da
greve geral teve o condão de provocar um estranho unanimismo na opinião
pública, partidária, etc. Avaliar a violência da polícia de choque
ocupou nesse dia um lugar secundaríssimo – afinal, os polícias que
faziam a segurança do parlamento estiveram sujeitos a uma martirização
provocada por “meia dúzia de profissionais da desordem”, para usar a
expressão do ministro da Administração Interna Miguel Macedo.
E, feito
inédito, essa circunstância transformou uma carga policial num feito de
elogio unânime dos partidos do governo ao PS – ou de silêncio do quem
cala consente do PCP e do Bloco de Esquerda. Como se uma interrogação
sobre a proporção da intervenção policial pudesse ser automaticamente
confundida com o apoio aos hooligans que atiraram pedras à polícia, o
silêncio entupiu muitos daqueles a quem a actuação das forças da ordem –
varrendo tudo à sua volta e detendo indiscriminadamente cidadãos
pacíficos de São Bento até ao Cais do Sodré – perturbou profundamente.
Afinal, como é que a polícia não consegue neutralizar a “meia dúzia de
profissionais da desordem” e parte para uma intervenção violenta em
larga escala? Aqui ao lado, a jornalista Rosa Ramos explica que
prevaleceu na polícia a teoria de que detenções cirúrgicas nas
manifestações são excessivamente arriscadas e podem potenciar a
violência. Uma fonte policial admite ao i que foi avaliado o
risco de, “com detenções isoladas” se vir a “gerar uma situação de
enorme instabilidade” – admitindo a polícia que os restantes
manifestantes poderiam solidarizar-se com os “profissionais da desordem”
– e que o desfecho final poderia ser uma carga policial “ainda pior”.
Numa manifestação maioritariamente pacífica, como até agora têm sido as manifestações, este risco foi sobreavaliado.
A edição do “Correio da Manhã” de ontem dava conta de um mal-estar
instalado dentro da polícia pela demora em actuar. À pergunta sobre a
demora em actuar ainda não houve uma resposta cabal.
Não há uma única
razão de segurança aceitável para manter a polícia e o parlamento
sujeitos à martirização transmitida em directo. Mas pode haver razões
políticas: o argumento da martirização conseguiu transformar uma carga
policial num acto aceitável para a maioria dos portugueses; e em
imediata sequência transformou as manifs em territórios de risco. Se
isto interessa a alguém, não é seguramente ao Menino Jesus.
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19/11/12
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