Apetece-me
dizer um palavrão
Sabem lá como estarão daqui a seis meses. Ninguém sabe como estará daqui a seis meses.
Quebrou-se tudo. Tudo é fragmento. Tudo é transitório, incerto,imprevisível.
Não será preciso ler UlrichBeck para perceber que deitámos fora a
organização industrial e produzimos a sociedade do risco: tudo se
pondera em termos de risco futuro. E agora, que ninguém parece capaz de
prever o futuro, qualquer futuro, tudo se resume ao presente do
presente.
Todos os dias vejo no Facebook reproduções de frases escritas por um
guru a recomendar enterrar o passado, não antecipar o futuro, viver no
presente. Quanta meditação será necessária para que tal signifique paz
de espírito e não stress provocado pela permanente gestão do risco?
Multiplicam-se as notícias sobre empresas a falir, a dispensar ou a
suspender trabalhadores, a reduzir salários. Multiplicam-se as casas à
venda, os carros encostados, as famílias a pedir a declaração de
insolvência. E o Estado social a recuar ao ponto de haver muito quem já
tenha anunciado a sua morte e o pior é que o anúncio da morte do Estado
social é já capaz de não ser exagerado.
Famílias trocam dicas de poupança na internet: deixam de ir ao teatro
e ao cinema, de comprar livros, revistas e jornais, o que não augura
nada de bom em matéria de construção da cidadania; eliminam consumos
stand-by, combinam boleias, tiram as bicicletas das garagens, plantam
ervas aromáticas nos vasos que põem à janela, o que o ambiente agradece;
recuperam a marmita, fazem listas de compras antes de sair de casa,
correm atrás das promoções dos supermercados, reaproveitam camisolas
velhas para fazer panos de limpeza. Sabem lá como estarão daqui a seis
meses. Ninguém sabe como estará daqui a seis meses. O amor pode acabar, a
doença pode aparecer, a empresa pode fechar.
Se tudo é transitório, incerto, imprevisível, como apreender o sentido
da realidade? Se tudo é transitório, incerto, imprevisível, como definir
compromissos? Quem os abraça? Quem confia em quem? É cada um por si? Se
é cada um por si, que espaço há para a construção de bem comum, de
justiça social, de igualdade de oportunidades?
Não, não será preciso ler os pensadores da praça, mas ajuda. O problema é
que estar mais consciente é só estar mais consciente, não é ter mais
controlo sobre o que quer que seja (será isto uma citação de Bruno
Latour?). Às vezes, apetece-me dizer um palavrão. E digo. Por enquanto,
não é proibido. Por enquanto.
JORNALISTA DO "PÚBLICO"
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
02/09/12
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