Fecham-se
hospitais públicos?
A necessidade de reavaliar e encerrar serviços de saúde é porventura o tema mais sensível na política de saúde em Portugal no momento actual. Por causa de encerramentos de maternidades caiu em desgraça na opinião pública Correia de Campos, e perdeu fôlego a acção de Paulo Macedo. Não é politicamente um assunto fácil.
A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) colocou publicamente disponível um documento, “Estudo para a Carta Hospitalar”, onde são apontados encerramentos. Tanto o presidente da ERS como o Ministro da Saúde rapidamente explicitaram as suas visões sobre o alcance e objectivos do documento.
A delicadeza social do tema, num momento de também fragilidade da sociedade, justifica todos os cuidados e grande clareza. É razoavelmente seguro antecipar que não será simples encerrar serviços, e que a discussão tenderá ser a influenciada, senão mesmo manipulada, em função dos interesses de cada parte envolvida (e são muitas, incluindo os diferentes profissionais de saúde, os movimentos de utentes de saúde, os diferentes níveis de entidades do Serviço Nacional de Saúde, entidades privadas, as populações incitadas mais ou menos explicitamente, os partidos políticos, colunistas de imprensa e académicos com as rivalidades, etc...).
Os aspectos de comunicação serão centrais, como sempre o foram no passado quando se tratou de encerrar ou reformular serviços de saúde. O argumento do “estudo técnico” esbarra frequentemente na emoção da opinião pública.
No campo das clarificações a fazer nos contributos para a discussão pública, há pelo menos duas que merecem atenção desde já: como deve ser pensada a rede hospitalar pública, e como deve ser feita a revisão da rede hospitalar.
Olhando para como pensar a rede hospitalar pública, deve-se colocar primeiro quais os objectivos a atingir e depois as restrições existentes. A acessibilidade da população em tempo, qualidade dos cuidados e abrangência relevantes é o objectivo. Os recursos disponíveis são a restrição. Não é um problema fácil de resolver e haverá escolhas a realizar. Uma maior concentração de serviços pode permitir melhor qualidade clínica e menores custos financeiros, e em contrapartida implicar tempos de acesso de alguma população demasiado elevados – que escolha fazer? Um bom processo de decisão deveria ter conhecimento do efeito das decisões de abertura ou encerramento em termos de saúde da população por dinheiro gasto, por forma a usar os recursos existentes onde têm maior efeito sobre a população. Mas esta abordagem tem também que ser validada à luz das desigualdades de acesso que possa gerar, por exemplo. O que implica que socialmente se explicite o valor dessas desigualdades.
Tomando a agora a execução da revisão da rede hospitalar, duas visões alternativas existem.
Uma visão é pensar na rede de hospitais e serviços que cada um deve oferecer de forma totalmente livre. Isto é, se o Serviço Nacional de Saúde estivesse a começar do zero, onde deveria localizar hospitais e com que valências. E a partir do que existe, introduzir os ajustamentos que são necessários para alcançar essa rede de hospitais públicos.
Outra visão é partir da rede actual de hospitais e respectivas valências, e perguntar que alterações no sistema existente são possíveis e contribuem para uma melhoria do funcionamento do sistema de saúde português.
Estas duas visões não geram, no imediato, as mesmas decisões. Nem as mesmas oposições. A segunda exige uma abordagem gradual e persistente, enquanto a primeira poderá significar decisões mais radicais no imediato. As vantagens e desvantagens, em termos de execução, de cada uma deverão ser ponderadas.
Antes de discutir que serviços ou hospitais se encerram, é importante ter o enquadramento de como essa discussão deve ser conduzida. De outro modo, a experiência passada diz-nos que pouco se acabará por fazer. A defesa do statu quo é sempre o mais fácil.
Nova School of Business & Economics
IN "DINHEIRO VIVO"
04/06/12
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