20/05/2012

SÍLVIA MARTINS


  

 Polifonia 


Falo seis idiomas fluentemente. Vejo todos os noticiários de todos os canais de quase todos os horários disponíveis. Dou-me ao trabalho de gravar na ‘box’ reportagens e grandes reportagens, documentários de relevo, entrevistas e debates da atualidade. Leio jornais, leio revistas, leio livros. Falo com as pessoas. Falo com gente no café, com desconhecidos no cabeleireiro, às vezes até no meio da rua. Considero-me uma pessoa informada, interessada, atenta… ainda assim, nos dias que correm, cada vez percebo menos aquilo que se passa à minha volta! 

Talvez o mal esteja em mim, talvez peque pelo ‘overload’ de informação a que me submeto. Talvez me perca no lirismo de procurar sentidos em coisas, que aparentemente, não fazem sentido nenhum! 

A minha filha irrita-se comigo. Diz-me que os adultos são “taroucos” por verem tantas “nutíxas”. No outro dia perguntou-me porque é que eu estava a ler e a ouvir notícias sobre as tempestades. Eu tentei explicar-lhe, da melhor forma que consegui, numa linguagem própria para crianças de três anos, com uma complexidade acessível a crianças de seis… quando terminei, senti-me satisfeita! Mas ela não. “Isso é uma tolice. Poque se tivé mau tempo em Xanta Maía, não intéssa nada a mim. E se tivé mau tempo em Xão Miguel, não tem mal… poque eu binco em casa!”. É, faz sentido… 

De facto, acho que a complexidade das coisas, atrapalha a perceção que temos do seu verdadeiro sentido, que não é o ontem, nem o amanhã, mas o hoje, aqui, agora. 

 O Sassetti morreu de uma morte estúpida. Deixou duas filhas. Uma viúva. Uma quantidade parva de admiradores, colegas e amigos… de que lhe teria valido ver o noticiário das oito e saber que os ataques à liberdade do povo sírio continuam a fazer dezenas de mortes inocentes diariamente. De que nos vale a nós?! Será que podemos fazer alguma coisa por eles?! Claro que sim. Ou talvez não… porque andamos tão imersos nos nossos próprios problemas sociais, que acabamos por nos atrapalhar no meio de tanta informação atualizada ao segundo, vista, revista, estudada, analisada e mastigada. 

O nosso primeiro-ministro veio a público dizer, a semana passada, que os portugueses devem ver o desemprego como uma oportunidade única de mudança. Até aqui concordo, porque também eu sou uma incurável otimista… mas agora, insinuar que para todos eles haverá uma oportunidade empreendedora, que lhes permitirá pôr comida na mesa da família no final do dia, aí já não iria tão longe!

 É bem verdade que de génio e de louco, todos nós temos um pouco… mas também não deixa de ser verdade que há alguns mais geniais do que outros e que no mercado, inevitavelmente, não haverá espaço para todos. 

Urge pensar novos paradigmas para a nossa sociedade. Mas estamos todos tão atarefados em chegar ao fim do dia, com comida na mesa e roupa lavada no corpo, que o tempo é escasso para tais liberdades! Por fim, uma nota de esperança… em cada fim há um recomeço, porque a única coisa inevitável e irremediável que temos na vida, é a morte… e mesmo essa, é apenas o virar de um ciclo e quiçá, de um novo recomeço! 


IN "AÇORIANO ORIENTAL" 
17/05/12 

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