23/04/2012

MANUEL TAVARES

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A partidarite mais estúpida

 A minha esperança para o pós-crise, seja isso o que vier a ser, é de que renasçam valores matriciais que se foram esboroando à conta do laxismo que se espalhou com o regime do dinheiro fácil. A saber: o valor do trabalho e do mérito com base na avaliação permanente das instituições, organismos, empresas, organizações e associações. Uma avaliação obviamente impositiva para todos os setores do Estado e que os privados possam reconhecer como paradigmática a ponto de a acolherem nos seus manuais de boas práticas societárias. Ainda não perdi a esperança de que esta crise possa providenciar um superior grau de vigilância social sobre vários desmandos e maus hábitos, mas confesso que os sinais que chegam do mundo dos partidos estão longe de ser encorajadores. 

O último desses sinais foi o da indicação pelos partidos de três juízes para o Tribunal Constitucional: um deles já foi retirado pelo PSD e outro, indicado pelo PS, já foi publicamente posto em xeque pela perspetiva de poder vir a ser confrontado pelo Ministério Público com decisões tomadas ao tempo em que era secretário de Estado da Justiça, entre 2005 e 2009. Se no caso de Paulo Saragoça da Matta não me ocorre outra memória que a de ter tido um início de carreira de advocacia muito mediatizada - seja pelas relações com o ex- -presidente do Benfica João Vale e Azevedo, seja pelas regulares aparições como comentador da SIC -, no caso do antigo secretário de Estado José Conde Rodrigues, de quem não me recordo de todo, o que mais me espanta é que, independentemente de problemas processuais, não se tenha sentido a necessidade de observar um período de nojo entre um cargo de execução das políticas e um novo cargo de vigilância constitucional dessas mesmas políticas. 

 Os vários ranchos do folclore mediático já encontraram neste lamentável episódio a música com que tencionam dançar de braço dado com os políticos. A saber: a maçonaria, tão em voga. Porém, os maus-tratos dados nesta semana ao Tribunal Constitucional não podem ser vistos por esse prisma folclórico. É preciso ir à raiz do mal, ou seja, à perigosa partidarização de uma instância que é da família da bandeira e do hino nacional. No nosso edifício jurídico, cabe ao Tribunal Constitucional zelar pela conformidade das leis respondendo a pedidos do presidente da República ou preventivamente por sua própria iniciativa. Acontece que, fruto da crise, o supremo vigilante da Constituição foi chamado a analisar e vai julgar da constitucionalidade de normas do Orçamento do Estado para 2012 relativas a cortes de subsídio e férias dos funcionários públicos. Normas socialmente muito difíceis de aceitar e que, por isso mesmo, exigem como nunca que o Tribunal Constitucional seja visto pelos portugueses como à prova de partidarite. 



 IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" 
21/04/12 

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